A China está se preparando para uma guerra por causa de Taiwan ou o Ocidente se enganou?

Artigo analisa as forças militares chinesa e ocidental, vê Beijing em vantagem e diz que um conflito seria ruim para os EUA

Este artigo foi publicado originalmente em inglês no site The Conversation

Por Tom Harper

Numa altura em que a Rússia tem obtido ganhos na Ucrânia e o Oriente Médio parece estar à beira de um novo conflito regional, um impasse militar entre a China e os EUA é a última coisa de que o mundo precisa.

À primeira vista, porém, pode parecer que a China está se preparando para um conflito de longo prazo com os EUA por causa de Taiwan, a ilha autônoma de 24 milhões de habitantes reivindicada pelo continente.

No seu discurso de Ano Novo, o presidente da China, Xi Jinping, afirmou que Taiwan “certamente se reuniria” com a China. Isto é particularmente significativo porque ocorreu dias antes das eleições nacionais de Taiwan de 13 de janeiro. O resultado pode ser um governo mais pró-Beijing, optando por laços mais estreitos, ou o que atualmente parece mais provável, um líder taiwanês que queira manter Beijing à distância.

A eleição verá o pró-independência o Partido Democrático Progressista (DPP) enfrentar o conservador Kuomintang (KMT). O candidato do DPP, Lai Ching-te, que tem liderado as pesquisas, é frequentemente descrito como um defensor mais aberto da independência de Taiwan do que sua antecessora, a cessante Tsai Ing-wen, que adotou uma abordagem mais diplomática, acreditando que não havia necessidade de declarar seu apoio à independência, visto que a ilha já é uma nação soberana.

Qualquer mudança ou declaração pró-independência será provavelmente vista por Beijing como um estímulo a uma ação militar, uma vez que uma declaração formal de independência é uma linha vermelha para Beijing. Em contraste, o KMT é visto como mais próximo de Beijing. Os EUA têm tradicionalmente apoiado o estatuto semi-independente de Taiwan, vendo a ilha como um aliado regional conveniente. Juntamente com a intensificação dos voos militares chineses em torno do espaço aéreo de Taiwan, todos estes elementos apontam para Taiwan como um potencial gatilho para um conflito convencional entre os EUA e a China.

Navios de guerra da marinha chinesa durante treinamento militar (Foto: eng.chinamil.com.cn)
Outros indicadores-chave

Existem outros indicadores importantes a serem observados. As Forças Armadas chinesas se expandiram e se modernizaram ao longo dos últimos cinco anos, e os seus avanços na tecnologia de mísseis hipersónicos colocam Beijing em vantagem, uma vez que os EUA ainda não implantaram armas equivalentes.

Também significativa é a crescente percepção dos EUA como um inimigo entre o público chinês, parte de uma narrativa governamental, especialmente desde 2017. Este também é um tema comum entre os internautas chineses, muitos dos quais tendem a ser mais nacionalistas do que o governo.

Batalhas técnicas

Os EUA e a China já estão envolvidos numa competição econômica e tecnológica. Isto continuou apesar do aparente degelo nas relações na Cúpula de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico em 2023, com os presidentes dos EUA e da China sentados para uma conversa de quatro horas e concordando em retomar as comunicações entre militares que podem evitar uma escala militar acidental.

Ao fazê-lo, Biden sinalizou que pode estar pronto para parecer se afastar ligeiramente das suas políticas de linha dura para reduzir a dependência da tecnologia da China. A administração dele não permitiu que os fabricantes de chips dos EUA vendessem para a China, além de encorajar seus aliados a bloquearem as exportações de itens de fabricação de chips de alta tecnologia. O cancelamento do fabricante holandês ASML de seus embarques de máquinas para fabricação de chips para a China foi atribuído à pressão de Washington. Uma competição pela supremacia econômica e tecnológica já está em curso.

Esta competição China-EUA é semelhante à tensão EUA-Japão da década de 1980 e início da década de 1990, na qual o desenvolvimento econômico e a capacidade tecnológica do Japão causaram preocupação notável entre os tomadores e decisões políticas dos EUA, na medida em que, no final da década de 1980, o Japão era visto como um desafio maior do que a União Soviética.

Mas, embora Beijing tenha se adaptado à nova realidade de uma relação cada vez mais conflituosa entre a China e os EUA, isso não significa que a China esteja definitivamente interessada em iniciar um conflito de longo prazo. A China está se adaptando aos enormes desafios da sua economia em dificuldades, o que torna Beijing algo relutante em passar para uma posição de guerra, apesar da sua retórica de confronto.

Ambos os lados têm reservas

A significativa capacidade industrial da China, bem como a redução dos arsenais militares ocidentais causada pela guerra na Ucrânia, significam que um conflito com a China é algo que os EUA não podem se permitir.

Isto foi ainda sublinhado por vários exercícios de simulação de um conflito de Taiwan realizados pelos militares dos EUA em 2020. Eles descobriram que nove em cada dez dos resultados possíveis terminaram numa derrota dos EUA. Assim, um potencial conflito com a China representa um desafio notável para o poder americano.

É claro que as atuais crises proporcionaram uma oportunidade para a China compreender os atuais desafios militares, bem como proporcionaram alguns benefícios. O conflito na Ucrânia proporcionou à China vários benefícios econômicos, sobretudo sob a forma de um maior acesso ao petróleo e ao gás russos, que foram a força vital de muitas indústrias europeias contra as quais as empresas chinesas competiram. De igual modo, as tensões no Oriente Médio serviram de distração para os EUA, que tiveram de se concentrar mais no Oriente Médio e na Ucrânia, em vez de se comprometerem totalmente com um confronto com a China. Estas crises deram à China tempo para se preparar para o que poderá vir a seguir.

Estes acontecimentos mostram o conhecimento que a China acumulou. No caso da Ucrânia, trata-se da importância da produção industrial para a guerra, com a base industrial da Rússia permitindo a Moscou continuar com o conflito. Também destaca as limitações das capacidades da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) no fornecimento à Ucrânia.

As vulnerabilidades do poder marítimo foram ilustradas pelo bloqueio dos houthis ao Mar Vermelho. Isto demonstrou as possibilidades de utilização de tecnologias de mísseis e drones para desafiar potências mais fortes. No caso da China, isto poderia ocorrer com Beijing utilizando as suas capacidades antinavio e de mísseis hipersónicos para desafiar a força naval de Washington.

O que está a ficar claro é que Beijing está cada vez mais se preparando para um possível conflito, só por precaução. Esta preparação poderá ajudar a determinar o resultado a favor de Beijing.

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