A repressão religiosa segue a todo vapor na China. Como parte do processo de “sinicização” da fé, Beijing expediu uma determinação, no dia 22 de dezembro, que proíbe entidades e cidadãos estrangeiros de fazerem qualquer tipo de propaganda religiosa online no país. As informações são do site católico norte-americano Catholic Philly.
Como é habitual no governo Xi Jinping, o argumento para emitir tal conjunto de normas, chamadas Medidas para Administração de Serviços de Informações Religiosas da Internet, foi a defesa da segurança nacional.
Um dia antes, a China havia inserido em sua lista de sanções econômicas os nomes de quatro membros da Comissão de Liberdade Religiosa Internacional dos EUA. A ação foi uma retaliação pelas sanções impostas por Washington a empresas chinesas acusadas de contribuírem para os abusos contra a minoria muçulmana dos uigures na região chinesa de Xinjiang.
No início de dezembro, no Encontro Nacional Sobre Assuntos Religiosos do Partido Comunista Chinês (PCC), Xi havia deixado clara a intenção de colocar a Igreja sob o guarda-chuva da sigla. “Devemos manter o trabalho religiosos na direção essencial do partido. Devemos continuar a direcionar nosso país para a sinicização da religião. Devemos continuar a pegar o grande número de crentes religiosos e uni-los em torno do partido e do governo”, disse ele.
Não por coincidência, o Papa Francisco, líder da Igreja católica, divulgou uma mensagem de vídeo nesta terça-feira (3) na qual dedicou uma oração às pessoas que sofrem discriminação e perseguição religiosa.
Religião em Hong Kong
No início de janeiro, a agência Reuters revelou que bispos e outros líderes religiosos da China realizaram um conclave virtual com clérigos católicos de Hong Kong no dia 31 de outubro de 2021. O objetivo do encontro foi instruir o território semiautônomo sobre os conceitos de religião “com características chinesas”, uma expressão frequentemente usada para enquadrar ideias diversas no pensamento do presidente Xi Jinping.
De acordo com líderes religiosos que participaram do encontro ou tiveram acesso a informações sobre ele, trata-se da ação mais incisiva até hoje de Beijing para influenciar o catolicismo de Hong Kong, que se reporta diretamente ao Vaticano e tem entre seus líderes grandes defensores da democracia e dos direitos humanos, dois valores refutados pela China autoritária de Xi.
O nome de Xi não foi citado no encontro, mas ficou clara a meta de aproximar a religião dos conceito de patriotismo estabelecidos pelo presidente e inseri-la na cultura chinesa, alinhando a visão da Igreja aos objetivos do PCC. Um processo de “sinicização” do catolicismo.
Semanas antes do conclave, o Vaticano havia indicado Stephen Chow como novo bispo de Hong Kong, uma decisão adiada anteriormente devido à influência do governo continental. O favorito de Beijing para o posto era o reverendo Peter Choy, mais próximo do governo e justamente o escolhido para liderar o encontro. Na visão dos que estiveram presentes em 31 de outubro, aquela parece ter sido apenas a primeira de muitas cúpulas religiosas que se seguirão.
Por que isso importa?
Desde 2012, quando Xi Jinping assumiu o governo, a repressão religiosa na China se intensificou. As restrições tornaram-se ainda mais rígidas em 2018, quando entrou em vigor a atual regulamentação de assuntos religiosos no país. Somada à repressão imposta em outros setores, como os meios de comunicação e a internet, a prática religiosa tornou-se um desafio para os fieis em território chinês.
No episódio mais recente da repressão religiosa imposta pelo PCC, a Apple foi obrigada a apagar de sua loja dois aplicativos, um voltado à Bíblia cristã, outro dedicado ao Corão, o livro sagrado do Islã. De acordo com a rede britânica BBC, ambos foram vetados por Beijing por conterem textos religiosos considerados proibidos.
Mas o principal expoente do desafio que os fieis enfrentam na China é a etnia muçulmana dos uigures, que habitam a região autônoma de Xinjiang, no noroeste da China, fazendo fronteira com países da Ásia Central, com quem divide raízes étnicas e linguísticas.
O governo chinês refuta as acusações de abusos e classifica como “campos de reeducação” as áreas nas quais vivem milhões de uigures. O argumento de Beijing para isolar e vigiar a etnia muçulmana é o da “segurança nacional”, sob a justificativa de que pretende evitar a radicalização dos fiéis. Entretanto, para os governos de determinados países ocidentais, como Reino Unido, Estados Unidos e Canadá, a ação da China configura “genocídio”.