Com os EUA defasados militarmente, equilíbrio de poder muda em favor da China, diz relatório

Comissão bipartidária diz que Washington precisa ampliar investimento em defesa e na indústria bélica para não ficar em desvantagem

Fortalecer o Exército de Libertação Popular (ELP) é uma das principais metas do presidente Xi Jinping desde que chegou ao poder na China, em 2013. O orçamento de defesa do país é o segundo maior do mundo, atrás apenas dos EUA, e nem a vantagem financeira permite aos norte-americanos acompanhar o avanço chinês. Segundo um relatório divulgado recentemente em Washington, se não houver “mudanças significativas” nesse cenário, o “equilíbrio de poder continuará a mudar” em favor dos chineses.

O documento foi redigido pela Comissão sobre Estratégia de Defesa Nacional, uma entidade bipartidária, e enviado ao Congresso norte-americano. Ele repete alertas feitos anteriormente por outras organizações e autoridades norte-americanas, segundo as quais o país precisa aumentar o investimento em defesa e na indústria bélica sob o risco de ficar em desvantagem ante a seus maiores rivais, sobretudo a China, mas também a Rússia.

“A parceria ‘sem limites‘ da China e da Rússia, formada em fevereiro de 2022, poucos dias antes da invasão da Ucrânia pela Rússia, apenas se aprofundou e se ampliou para incluir uma parceria militar e econômica com o Irã e a Coreia do Norte, cada um dos quais representa sua própria ameaça significativa aos interesses dos EUA”, diz o documento.

Soldados do Exército de Libertação Popular da China durante uma parada militar (Foto: WikiCommons)

Analistas ouvidos pela rede Bloomberg em abril fizeram alerta semelhante. Eles afirmaram que mesmo o atual piso de investimento da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), que é de 2% do PIB (produto interno bruto) para cada membro, não basta para colocar a aliança no mesmo ritmo de russos e chineses.

“Estes regimes adversários estão cada vez mais interligados, o que é evidente na declaração de Xi e Putin de uma amizade ‘sem limites‘, bem como nas entregas de material de Kim Jong-un a Putin em apoio à invasão ilegal da Ucrânia”, afirmou em março o almirante John Aquilino, líder do Comando Indo-Pacífico das Forças Armadas dos EUA. “No entanto, a RPC (República Popular da China) é o único país que tem condições, capacidade e intenção de derrubar a ordem internacional.”

Conforme os cálculos da Bloomberg, se investissem 4% do PIB em defesa, os países-membros da aliança militar transatlântica adicionariam cerca de US$ 10 bilhões ao orçamento de defesa conjunto. Isso em um cenário já extremo, com os gastos militares globais tendo atingindo um recorde histórico de US$ 2,2 trilhões há dois anos. O investimento serviria para confrontar o crescimento militar dos dois maiores rivais.

“O gasto anual geral da China com defesa é estimado em até US$ 711 bilhões, e o governo chinês anunciou em março de 2024 um aumento no gasto anual com defesa de 7,2%”, diz o relatório. “A Rússia dedicará 29% de seu orçamento federal este ano à defesa nacional, enquanto continua a reconstituir suas Forças Armadas e economia após sua fracassada invasão inicial da Ucrânia em 2022.”

Diante de tal cenário, o documento alerta que o “novo alinhamento de nações opostas aos interesses dos EUA cria um risco real, se não a probabilidade, de que um conflito em qualquer lugar possa se tornar uma guerra multiteatral ou global.” E faz uma projeção pessimista: as forças norte-americanas “não podem competir com a China, a Rússia e seus parceiros sozinhas — e certamente não podem vencer uma guerra dessa forma.”

A solução apontada pela Comissão envolve também os aliados, que hoje sofrem igualmente com a falta de investimento em defesa. O primeiro passo, de acordo com o relatório, é melhorar a integração entre setores governamentais nos EUA, citando como modelo o de Beijing, que “está fundindo força militar, diplomática e industrial para expandir o poder em todo o mundo e coagir seus vizinhos.”

Adotados esses ajustes estruturais, seria necessário, então, modernizar a base industrial de defesa norte-americana, atualmente “incapaz de atender às necessidades de equipamentos, tecnologia e munições dos Estados Unidos e seus aliados e parceiros.”

Mais uma vez, a advertência é reincidente. Em março, o think tank Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS, na sigla em inglês) afirmou que a base industrial de defesa dos EUA “carece de capacidade” para “satisfazer as necessidades de produção” de suas Forças Armadas e compromete as defesas do país contra seus principais rivais.

Assim, é necessário investir em mais e melhores armamentos e munições, mas sobretudo em novas tecnologias. “A guerra na Ucrânia demonstrou a necessidade de se preparar para novas formas de conflito e integrar tecnologia e novas capacidades rapidamente com sistemas mais antigos”, diz o relatório.

O documento conclui que a ameaça atual é a “mais séria e desafiadora” desde 1945, quando a Alemanha nazista foi derrotada. “Os Estados Unidos lutaram pela última vez em um conflito global durante a Segunda Guerra Mundial, que terminou há quase 80 anos. A nação foi preparada pela última vez para tal luta durante a Guerra Fria, que terminou há 35 anos. Ela não está preparada hoje.”

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