Documentos revelam ação conjunta de China e Rússia para controlar e censurar conteúdo online

Aliados realizaram uma série de encontros para trocar experiências e ampliar a colaboração na gestão do ciberespaço e no combate à dissidência

A repressão digital faz parte da aliança entre China e Rússia, que tem se fortalecido nos últimos anos e agora ingressa em uma “nova era“, conforme declaração conjunta assinada pelos presidentes Xi Jinping e Vladimir Putin após encontro entre ambos em março. Documentos secretos obtidos recentemente pela rede Radio Free Europe (RFE) apontam que os dois países são velhos parceiros em uma grande campanha para controlar e censurar conteúdo online.

O material revela que encontros secretos foram realizados por representantes dos órgãos de fiscalização e repressão digital dos dois países, a Administração do Ciberespaço da China (CAC) e o Roskomnadzor, da Rússia. As reuniões ocorreram entre 2017 e 2019, e os assuntos debatidos nelas estão registrados em áudios, notas escritas e e-mails acessados pela reportagem.

Xi Jinping e Vladimir Putin em Moscou, março de 2023: internet menos livre (Foto: Kremlin)

Nos encontros, a China apresentou à Rússia alguns dos métodos e ferramentas usados para controlar o conteúdo publicado na internet, como o combate às VPNs, a quebra de tráfego criptografado e a regulamentação de plataformas de trocas de mensagens. Moscou retribuiu com sua experiência no controle da imprensa e no combate à dissidência.

Em mais de uma ocasião, os dois governos trocaram mensagens pedindo ajuda para resolver problemas específicos. A China solicitou que certos links de noticias fossem censurados na Rússia, que mais tarde agendou um encontro para que seus agentes estatais estudassem o sistema de censura digital de Beijing, popularmente conhecido como Grande Firewall.

Segundo Andrew Small, membro sênior do think tank norte-americano German Marshall Fund, chama atenção nos documentos a diversidade das solicitações feitas pela China à Rússia para bloquear conteúdo em sua internet doméstica. “O escopo desses pedidos é bastante abrangente, e é interessante porque se estende além do clássico conjunto de questões de Beijing, como Xinjiang, Taiwan ou Tibete“.

Ele destaca a aparente liberdade que o governo chinês tem para abordar o aliado quando julga necessário. “É uma externalização de como essas questões são tratadas dentro da China e talvez uma dica de para onde essa cooperação está indo”.

Parceira antiga

Em 2017, o Partido Comunista Chinês (PCC), colocou em vigor a Lei de Cibersegurança nacional, que impõe restrições ao que os usuários da rede podem compartilhar. A normativa legal foca particularmente em conteúdo que potencialmente prejudique a “honra nacional”, “perturbe a ordem econômica e social” ou intencione “derrubar o sistema socialista”.

Naquele momento, a parceria entre China e Rússia para gestão do ciberespaço já estava a todo vapor. “Essas trocas de alto nível já acontecem há algum tempo e sempre se concentraram em entender o que o outro lado está fazendo em uma área, onde eles veem o outro falhando e o que podem aprender um com o outro”, disse Small.

Tanto que em 2016, um ano antes do primeiro encontro documentado, Moscou lançou a Liga da Internet Segura, uma entidade conservadora gerida pelo oligarca Konstantin Malofeyev, aliado do Kremlin e próximo à Igreja Ortodoxa da Rússia. Lu Wei, então chefe da CAC, e Fang Binxing, idealizador do Grande Firewall, participaram da conferência inaugural da organização russa.

Em 2019, quando ocorreu o mais recente dos encontros registrados pela reportagem da RFE, o governo russo instituiu sua lei de soberania digital, que entre outras ações permitiu um grande controle estatal sobre sites ocidentais como Google, Twitter e Facebook, aos quais foram impostas multas e a exigência de colaboração com o Kremlin quando assim determinado.

Naquele mesmo ano, Xi e Putin tiveram um encontro no qual trataram do tema digital, anunciando uma “parceria estratégica abrangente” de gestão da internet a fim de “promover a construção de uma ordem global para a governança da informação e do ciberespaço”. Segundo eles, as duas nações compartilham ideais, como a busca por “paz e segurança no ciberespaço com base na participação igualitária de todos os países”.

Considerando os mais recentes comentários feitos pelos dois líderes, já em 2023, a tendência é de que a colaboração para gestão do ciberespaço não apenas continue, mas seja ampliada. Isso ficou claro no encontro que tiveram em março, no qual Putin foi chamado de “querido amigo” pelo homólogo chinês. “Assinamos uma declaração sobre o aprofundamento da parceria estratégica e dos laços bilaterais que estão entrando em uma nova era”, disse Xi Jinping.

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