Em Hong Kong, traição, insurreição e sabotagem serão passíveis de prisão perpétua

Governo revela detalhes da nova lei de segurança nacional, que tende a acabar com o que resta dos direitos civis no território chinês

O governo de Hong Kong divulgou nesta sexta-feira (8) um esboço do que será a futura lei de segurança nacional, que tende a acabar de vez com o que resta das liberdades individuais no país. Mais abrangente e com penas mais severas, o projeto pune com prisão perpétua atos de traição, insurreição e sabotagem e adota um texto propositalmente vago, o que tende a aumentar o alcance das autoridades.

Embora já exista uma lei de segurança nacional em vigor, imposta pela China em 2020, a Lei Básica do território, em seu artigo 23, exige que um novo mecanismo legal próprio seja estabelecido. O processo nesse sentido teve início em janeiro, com uma consulta popular que se estendeu até a semana passada. De acordo com a agência Associated Press (AP), a aprovação tende a ser rápida e sem obstáculos.

Policiais de Hong Kong em serviço: repressão está prestes a aumentar (Foto: WikiCommons)

O jornal local South China Morning Post (SCMP) diz que a lei prevê 39 crimes divididos em cinco categorias: traição; insurreição, incitação ao motim e ao descontentamento e atos com intenção sediciosa; sabotagem; interferência externa; e roubo de segredos de Estado e espionagem.

As penas partem de três meses de prisão, nos casos mais leves, e chegam à prisão perpétua, que engloba quatro crimes: traição, insurreição, incitação de membros das Forças Armadas chinesas ao motim e conluio com forças externas para danificar infraestruturas públicas.

Determinadas partes do projeto de lei são claramente baseadas na experiência das autoridades locais com os protestos por democracia que explodiram em 2019. No documento de consulta pública que circulou até a semana passada, os manifestantes foram citados no trecho que prevê a pena máxima para casos de sabotagem. O governo destacou, por exemplo, os dados causados ao transporte público como passíveis de uma punição severa.

O novo texto ainda prevê o crime de sedição, que não consta da lei atual. Devido à brecha legal, o Judiciário vem adotando uma manobra jurídica para punir os cidadãos, usando os poderes conferidos pela lei chinesa para aplicar normas da era colonial que previam a sedição. Na nova lei, tal crime prevê pena de sete anos, aumentada para dez se praticado em conluio com uma força externa.

Para se ter ideia do alcance da lei, na quinta-feira (7) o judiciário local manteve a pena por sedição aplicada a um ativista que entoou slogans pró-democracia e criticou a lei de segurança nacional imposta por Beijing, conforme relatou a agência Associated Press (AP).

As novas regras permitiriam, nesse caso, uma punição ainda mais severa com base na agravante. Afinal, a lei diz que “forças externas” podem ser não apenas governos e partidos políticos estrangeiros, mas também “qualquer outra organização num local externo que persiga fins políticos.”

Eric Lai, pesquisador do Centro de Direito Asiático da Universidade Georgetown, destaca justamente o fato de que o texto legal é “excessivamente amplo e vago”, sobretudo no que tange às definições de forças externas e segredos de Estado.

A mesma observação foi feita pelo Departamento de Estado norte-americano em fevereiro. “Estamos particularmente preocupados com a proposta das autoridades de Hong Kong de adotar definições amplas e vagas de ‘segredos de Estado’ e ‘interferência externa’ que poderiam ser utilizadas para eliminar a dissidência através do medo de prisão e detenção”, disse o órgão diplomático em fevereiro.

Ainda assim, o governo honconguês afirma que a população recebeu bem a proposta, alegando que 98,6% das avaliações entregues durante o período de consulta popular foram positivos.

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