Falta de transparência é padrão nos empréstimos chineses ao redor do mundo

Bancos se usam de cláusulas de sigilo e termos sobre cooperação e política interna para proteger investimentos no exterior

A notícia de que o governo de Montenegro pediu ajuda à UE (União Europeia), em abril, para sanar uma dívida de US$ 1 bilhão com a China, deslocou os holofotes para as cláusulas com que bancos chineses gerenciam seus empréstimos ao redor do mundo.

Enquanto Beijing expandia rapidamente sua presença financeira na última década, seus bancos distribuíam empréstimos maciços através do ambicioso Cinturão da Rota da Seda. O foco estava em países em desenvolvimento de América Latina, África, Europa Oriental e Sul da Ásia.

A expansão, porém, não veio acompanhada de transparência nos empréstimos feitos pel agora maior credor do mundo. Um estudo do think tank norte-americano Center for Global Development apontou que a China aposta justamente na falta de transparência para proteger seus investimentos.

O relatório, lançado em março, analisou 100 contratos em 24 países de África, Ásia, Europa e América Latina. O escrutínio focou nos dois principais credores apoiados por Beijing: o Exim (Banco de Exportação e Importação da China) e o CDB (Banco de Desenvolvimento da China, na sigla em inglês).

Falta de transparência atrasa escrutínio sobre empréstimos chineses ao redor do mundo
Sede do Banco de Desenvolvimento da China em Beijing, maio de 2017 (Foto: Divulgação/S1951023)

Termos da dívida

Todos os contratos do CDB e pelo menos 43% dos negócios do Exim incluíam cláusulas de confidencialidade sobre os termos dos empréstimos. Ainda que a prática seja comum em muitas transações, os contratos chineses invertem o padrão ao impor o sigilo ao governo que toma o empréstimo, e não ao credor.

Os negócios chineses, por sua vez, são muito mais abrangentes no sigilo, que tende a abarcar todos os detalhes do empréstimo e, em alguns casos, a própria existência da dívida.

Outro aspecto comum aos contratos analisados são os termos para manter a dívida fora da reestruturação coletiva. Dessa forma, o governo endividado não pode reestruturar ou buscar alívio da dívida em outra fonte de empréstimo.

As disposições também permitem que os credores chineses cancelem os empréstimos ou exijam o reembolso antecipado caso os países devedores realizem “mudanças importantes na lei ou na política interna”.

Aí está outro termo ambíguo: comum em transações para evitar transformações bruscas que impeçam o pagamento da dívida, as cláusulas chinesas são mais amplas. “Se o credor chinês ficar insatisfeito com o governo, ele pode exigir o reembolso antecipado, cancelá-lo ou alterar o cronograma. São muitas alavancas de influência“, disse Scott Morris, pesquisador do estudo à RFE (Radio Free Europe).

Falta de transparência atrasa escrutínio sobre empréstimos chineses ao redor do mundo
Banco estatal chinês na cidade de Dalian, província de Liaoning, em janeiro de 2014 (Foto: WikiCommons/Yoshi Canopus)

Fora do eixo da transparência

Beijing resiste em aderir a programas que fomentam mais transparência em torno dos processos de empréstimos. O país não está no Sistema de Relatórios de Credores ou no Grupo de Crédito à Exportação da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

A China também não integra o Clube de Paris – grupo de tradicionais nações credoras que ajudam países com dificuldades em pagar suas dívidas.

O governo chinês também demorou alguns meses até se comprometer com o G-20 para estender o alívio da dívida aos países em desenvolvimento. O montante de empréstimos atrasados já chega a US$ 2,1 bilhões.

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