Fotos de Aung San Suu Kyi são alvo de repressão pela junta militar de Mianmar

As autoridades militares estão ameaçando e eventualmente prendendo pessoas que exibem imagens da ex-líder democrática em suas casas

Desde o golpe de Estado ocorrido em fevereiro de 2021 em Mianmar, as autoridades da junta militar têm adotado uma abordagem repressiva e intimidadora em relação à população. Recentemente, surgiram relatos de ameaças e prisões de pessoas que exibem fotos da líder democrática Aung San Suu Kyi em suas casas. As informações são da rede Radio Free Asia.

Na região de Ayeyarwady, soldados e policiais estão realizando visitas inesperadas às casas dos civis com o objetivo de verificar se há presença de hóspedes não registrados. Durante essas visitas, caso encontrem fotos de políticos proeminentes pró-democracia, incluindo a presidente deposta, penduradas nas paredes ou armazenadas em telefones celulares, eles ameaçam os moradores com prisão, conforme relatado pelos próprios residentes.

Um residente de Mandalay expressou sua convicção de que as autoridades têm más intenções em relação a Aung San Suu Kyi, referindo-se à realização de inspeções domiciliares na cidade. Segundo ele, “Suas cabeças sem cérebro não conseguem aceitar a ideia de Suu Kyi”. E acrescentou: “Na verdade, nós, o povo, nunca gostamos do ditador. Nunca gostamos do ditador de forma alguma”, referindo-se ao líder da junta militar, o general Min Aung Hlaing.

Cartaz com a imagem de Aung San Suu Kyi durante protestos em Mianmar contra o golpe em 2021 (Foto: WikiCommons)

Aos 77 de idade, Suu Kyi foi condenada a mais seis anos de prisão em agosto do ano passado, acusada de corrupção. Ela agora enfrenta um total de 17 anos de prisão, vez que a pena mais recente foi somada à de 11 anos imposta em julgamentos de casos anteriores.

A prisão de civis por possuírem fotos de Aung San Suu Kyi não é um fenômeno novo em Mianmar. Durante ditaduras militares anteriores, situações semelhantes ocorreram. No entanto, após a libertação de Suu Kyi da prisão domiciliar em 2010, suas fotos voltaram a aparecer nas casas dos birmaneses. Tal prática reflete a persistente luta por liberdade e democracia que ocorre no país.

De acordo com Sin Yan Shin, líder da Pathein Urban Guerrilla Force (Força de Guerrilha Urbana de Pathein) na região de Ayeyarwady, onde o apoio a Aung San Suu Kyi e ao partido deposto Liga Nacional pela Democracia (NLD, da sigla em inglês) é forte, os moradores vivem com medo devido às inspeções e ameaças dos militares. Ele observou que atualmente poucas pessoas estão pendurando fotos de Suu Kyi ou do presidente Win Myint em suas casas, ambos ex-líderes presos pela junta militar.

Recentemente, em Yangon, a antiga capital e maior cidade de Mianmar, uma moradora foi forçada a assinar uma petição-promessa após ser pega pendurando uma foto de Aung San Suu Kyi em sua casa, de acordo com um homem próximo a ela. Ele explicou que a moradora foi levada à delegacia, onde foi obrigada a assinar uma confissão e, posteriormente, liberada.

O advogado veterano Kyee Myint criticou a junta militar em Mianmar, afirmando que eles estão agindo de “forma louca” e dispostos a fazer qualquer coisa para se manterem no poder. Ele destacou que a junta está governando o país através do medo, reprimindo e aterrorizando a população para instaurar um clima de medo generalizado.

“O medo é extremamente prejudicial para as pessoas, e os militares têm utilizado exemplos de terror para intensificar ainda mais esse medo”, disse.

Por que isso importa?

Mianmar enfrenta “uma campanha de terror com força brutal”, segundo palavras da ONU (Organização das Nações Unidas). A repressão imposta pelo governo militar foi uma reação às eleições presidenciais de novembro de 2020.

Na ocasião, o partido NLD (Liga Nacional pela Democracia, da sigla em inglês) venceu as eleições com 82% dos votos, ainda mais do que havia obtido no pleito de 2015. Em fevereiro de 2021, então, a junta militar, que já havia impedido a sigla de assumir o poder antes, prendeu a líder democrática Aung San Suu Kyi, dando início a protestos respondidos com violência pelas forças de segurança nacionais.

As ações abusivas da junta levaram ao isolamento global de Mianmar, e em dezembro de 2022 o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução histórica que insta os militares a libertar Suu Kyi. A Resolução 2669 ainda exige “o fim imediato de todas as formas de violência” e pede que “todas as partes respeitem os direitos humanos, as liberdades fundamentais e o Estado de Direito”.

A proposta, feita pelo Reino Unido, foi aprovada no dia 21 de dezembro de 2022 com 12 votos a favor. Os membros permanentes China e Rússia se abstiveram, optando por não exercer vetos. A Índia também se absteve.

Beijing e Moscou, por sinal, estão entre os poucos governos do mundo que mantêm relações formais com Mianmar, inclusive vetando resoluções que venham a condenar a brutalidade dos atos contra opositores e a população civil em geral, como no caso de dezembro de 2022.

Inicialmente, o golpe de Estado foi recebido com reprovação pela China, que vinha dialogando para firmar acordos comerciais com o governo eleito e perdeu financeiramente com a queda. Mas o cenário mudou rapidamente. Para não se distanciar da junta, Beijing classificou a prisão de Suu Kyi e de outros funcionários do governo como uma “remodelação de gabinete”, palavras usadas pela agência de notícias estatal Xinhua.

A China é um também dos principais fornecedores de armas para a juntar militar, desrespeitando um pedido de embargo global feito pela ONU para enfraquecer o regime birmanês. Há indícios de que as forças locais seguem se equipando com novos armamentos chineses, tendo ainda como fornecedores complementares a Rússia e o Paquistão.

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