Hong Kong aprova sua nova e mais dura lei repressiva e traça paralelo com ’11 de Setembro’

Texto da lei de segurança nacional foi aprovado em tempo recorde e institui penas mais duras contra quem se opuser ao governo

O Legislativo de Hong Kong aprovou nesta terça-feira (19), com uma rapidez pouco usual, sua nova lei de segurança nacional. O texto prevê 39 crimes, os mais graves puníveis com prisão perpétua, e coloca a repressão no território em pé de igualdade com a da China continental.

Ao celebrar a rápida aprovação do novo texto legal, de acordo com o jornal South China Morning Post (SCMP), o chefe do Executivo local, John Lee, traçou um paralelo entre as situações de Hong Kong atualmente e dos EUA após os ataques terroristas de 2011. Ele insiste que a lei é necessária para proteger o território contra “forças externas”, classificando o texto como “uma porta e uma fechadura mais fortes”.

“Depois do ’11 de Setembro’, o governo americano apresentou um projeto de lei 21 dias após o ataque terrorista para salvaguardar a sua segurança nacional. A nossa legislação do ‘Artigo 23’ em Hong Kong demorou 26 anos”, afirmou, tomando como base a entrega do território à China pelo Reino Unido, em 1997.

Cena dos protestos de 2019 em Hong Kong (Foto: Studio Incendo/WikiCommons)

Hong Kong já tinha uma lei de segurança nacional, que foi imposta pela China em 2020 como uma dura resposta aos protestos populares que tiveram início no ano anterior. Porém, a Lei Básica, uma espécie de Constituição do território, exigia em seu artigo 23 que um mecanismo legal próprio fosse estabelecido.

Após um período de consulta popular iniciado em janeiro, o texto foi colocado para a aprovação no Legislativo. Segundo a rede CNN, a pedido de Lee, o processo foi mais rápido que o habitual, concluído em menos de suas semanas, e entrará em vigor com a mesma velocidade, já no próximo sábado (23).

“Usamos 30 dias para a consulta e o Conselho Legislativo usou 12 dias para debater o decreto de segurança nacional, o que mostra plenamente a urgência do decreto”, disse Lee, conforme relatou o SCMP.

Segundo a autoridade, a nova lei é mais abrangente que a imposta pela China. Ele acredita, inclusive, que vai inspirar outras nações a adotarem medidas repressivas semelhantes. “Diferentes países e locais visam os seus próprios riscos de segurança nacional e também aprovarão rapidamente leis para lidar com eles”, afirmou Lee.

O que diz a lei

Com base na nova lei, as penas partem de três meses de prisão, nos casos mais leves, e chegam à prisão perpétua, que engloba quatro crimes: traição, insurreição, incitação de membros das Forças Armadas chinesas ao motim e conluio com forças externas para danificar infraestruturas públicas.

Determinadas partes do projeto de lei são claramente baseadas na experiência das autoridades locais com os protestos por democracia que explodiram em 2019. No documento de consulta pública, os manifestantes foram citados no trecho que prevê a pena máxima para casos de sabotagem. O governo destacou, por exemplo, os dados causados ao transporte público como passíveis de uma punição severa.

O novo texto ainda prevê o crime de sedição, que não consta da lei atual. Devido à brecha legal, o Judiciário vem adotando uma manobra jurídica para punir os cidadãos, usando os poderes conferidos pela lei chinesa para aplicar normas da era colonial que previam a sedição. Na nova lei, tal crime prevê pena de sete anos, aumentada para dez se praticado em conluio com uma força externa.

O “Artigo 23”, como a lei é popularmente conhecida em Hong Kong, também atende ao Partido Comunista Chinês (PCC) e a seu líder, o presidente chinês Xi Jinping. Em 2022, por conta do Dia Nacional da China, ele usou o discurso para destacar a importância da lei de segurança nacional, criticando os protestos de 2019 e alertando para o risco de eles se repetirem.

“Após experimentar vento e chuva, todos podem sentir dolorosamente que Hong Kong não pode ser caótica e não deve se tornar caótica novamente. O desenvolvimento de Hong Kong não pode ser adiado novamente, e qualquer interferência deve ser eliminada”, disse Xi na oportunidade.

Reação global à lei

A lei de segurança nacional tem sido duramente criticada por entidades de defesa dos direitos humanos, que destacam o alcance do texto legal e o poder que confere às autoridades para que punam quem lhes convier, onde quer que seja e independente da nacionalidade.

“Agora, mesmo possuir um livro crítico ao governo chinês pode violar a segurança nacional e significar anos de prisão em Hong Kong”, disse Sarah Brooks, diretora da Anistia Internacional para a China, segundo reportou a rede BBC.

Obrigada a fechar as portas em Hong Kong, a Anistia já havia advertido também para o alcance da normativa legal. Segundo a ONG, qualquer pessoa na Terra, “independentemente de nacionalidade ou localização, pode ser tecnicamente considerada como tendo violado a lei e pode ser presa e processada se estiver em uma jurisdição chinesa, mesmo para trânsito.”

Patrick Poon, pesquisador de direitos humanos da Universidade de Tóquio, disse à Radio Free Asia (RFA) em fevereiro que a nova lei de fato atinge os estrangeiros. Ele destaca o caso de jornalistas de outros países, ameaçados de processo caso entrevistem dissidentes no exterior.

“As pessoas dentro da China enfrentam as maiores pressões e os maiores riscos se derem entrevistas a jornalistas estrangeiros”, disse Poon, acrescentando que agora a lei é mais abrangente. “Poderia ser arriscado para um jornalista estrangeiro entrevistar pessoas no exílio, o que é ainda mais rigoroso do que algumas das práticas na China continental.”

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