A Índia acusou no domingo (28) a China de “militarização do Estreito de Taiwan”, dando sequência à troca de farpas diplomática iniciada com a visita de uma embarcação chinesa ao porto de Hambantota há algumas semanas, o que colocou o Sri Lanka no meio da crise entre Beijing e Nova Délhi. As informações são do jornal britânico Guardian.
A declaração marca o primeiro emprego pela Índia do termo “militarização” para descrever as ações da China na área, o que sugere uso de linguagem acusatória direta. Esta é considerada uma rara intervenção do governo indiano nas questões que envolvem o Estreito, considerando que o país já tem suas desavenças relacionadas a uma disputa territorial com os chineses através do Himalaia.
No fim de semana, a embaixada da Índia em Colombo disse que o Sri Lanka “precisa de apoio, não de pressão indesejada ou controvérsias desnecessárias para servir à agenda de outro país”. Além disso, fez menção a “agendas impulsionadas pela dívida”, o que diria respeito ao porto de Hambantota ter sido financiado pela China.
Yuan Wang 6 no porto de Papeete, Polinésia Francesa, dezembro de 2011 (Foto: Wikimedia Commons)
O Yuan Wang 5, classificado por Beijing como um navio de “pesquisa”, chegou ao país insular com intenções diplomáticas, disse no dia 17 de agosto seu capitão, Zhang Hongwang. Sua ancoragem no porto cingalês, cuja construção custou aos chineses US$ 1,5 bilhão, “aprofundará as relações bilaterais no campo do espaço, ciência e tecnologia”, acrescentou ele.
Nova Délhi não está de acordo com essa explicação e manifestou temores de que o navio estaria sendo usado para espionar suas atividades, segundo relatos da mídia local. Na visão de analistas de segurança, a embarcação tem sido utilizada para rastreamento espacial, capaz de monitorar lançamentos de satélites, foguetes e mísseis balísticos intercontinentais. Os EUA dizem que ele serve ao Exército de Libertação Popular (ELP) da China.
Bonnie Glaser, diretora do programa de Ásia do centro de estudos German Marshall Fund, escreveu em sua conta no Twitter que “o apoio da Índia a Taiwan é bem-vindo, mas geralmente é oferecido quando Délhi tenta pressionar a China”, observou, acrescentando que a ilha “não deve ser usada como um cartão”.
India’s support for Taiwan is welcome, but it usually is proffered when Delhi is seeking to put pressure on the PRC. 🇮🇳should consider TW’s intrinsic value as a democracy, public-goods provider, & supporter of the RBO. Taiwan shouldn’t be used as a card.https://t.co/RvFLSoM0YJ
— Bonnie Glaser / 葛來儀 🇺🇦 (@BonnieGlaser) August 29, 2022
Disputa por influência
China e Índia travam uma disputa por influência no Sri Lanka, país que atravessa profunda crise econômica. Nova Délhi ganhou pontos recentemente ao enviar entre US$ 3 bilhões e US$ 4 bilhões em ajuda ao país, mas a presença de Beijing continua sendo muito forte.
De acordo com Wen-ti Sung, cientista político especializado em Taiwan e China, Nova Délhi está criando “novas alavancas de barganha” ao acusar a China de “militarização” do estreito, normalizando “retórica mais dura”.
“Sabendo que a China não quer uma escalada em múltiplas frentes, a Índia está se aventurando a criar uma nova alavanca onde antes não existia nenhuma”, disse Sung, observando as pressões internas da China com o próximo 20º congresso do Partido Comunista Chinês (PCC) em novembro, que pode render ao presidente Xi Jinping um inédito terceiro mandato no comando do país.
Controle do porto
Hambantota é crucial nessa disputa entre China e Índia, vez que foi construído dentro da Nova Rota da Seda (BRI, na sigla em inglês, de Belt And Road Initiative), iniciativa lançada por Xi Jinping para financiar obras de infraestrutura no exterior.
Como o Sri Lanka não conseguiu pagar as parcelas devidas, Beijing ativou a cláusula contratual que repassou à China o controle do porto. Daí a preocupação indiana de que as instalações sejam usadas com finalidade militar, não apenas comercial.
Nesse cenário, o temor da Índia no que tange ao navio está atrelado à capacidade de rastreamento dele. Assim, o Yuan Wang 5 poderia ter usado a visita para coletar informações sobre as usinas nucleares indianas de Kalpakkam e Koodankulam.
Por que isso importa?
O estremecimento das relações entre Índia e China remete a uma disputa territorial de abril de 2020, quando soldados rivais se envolveram em combates em vários pontos da área montanhosa que divide os dois países. O problema começou com uma troca de acusações sobre desrespeito à Linha de Controle Real (LAC, na sigla em inglês), a fronteira de fato entre as nações.
Os vizinhos compartilham uma fronteira não delimitada oficialmente de 3,5 mil quilômetros através do Himalaia e mantêm um acordo de paz instável desde o fim da guerra sino-indiana, em novembro de 1962.
Em 15 de junho de 2020, a paz na fronteira foi quebrada após novos confrontos entre soldados indianos e chineses no vale de Galwan, na região de Ladakh, na Índia. Na ocasião, 20 soldados indianos e quatro chineses morreram em combates corporais entre as tropas das duas nações. O confronto envolveu basicamente paus e pedras, sem nenhum tiro ter sido disparado.
Desde então, milhares de soldados estão posicionados dos dois lados da fronteira, e obras com fins militares tornaram-se habituais na região. As nações reivindicam vastas áreas do território alheio no Himalaia, problema que vem desde a demarcação de áreas pelos governantes coloniais britânicos.
Beijing e Nova Délhi mantiveram 14 rodadas de negociações desde os confrontos de junho de 2020. As conversas levaram à retirada de tropas em vários pontos ao longo da ALC, mas não de todos. E não foi possível chegar a nenhum acordo sobre a fronteira. Para especialistas, qualquer deslize de um dos lados pode levar a uma guerra entre as nações.