Índia diz que tensão na fronteira inviabiliza relações ‘normais’ com a China

Vizinhos travam uma disputa territorial desde abril de 2020, quando soldados dos dois países morreram em confronto

Segundo o governo da Índia, as relações com a China não retornarão à normalidade até que Beijing retire suas tropas da região de fronteira entre os dois países. A afirmação de Nova Délhi foi feita após um encontro entre os ministros das Relações Exteriores dos dois países, na última sexta-feira (25), de acordo com a agência catari Al Jazeera.

“Fui muito honesto em minhas discussões com o ministro das Relações Exteriores chinês, especialmente ao transmitir nossos sentimentos nacionais”, disse o ministro das Relações Exteriores da Índia, Subrahmanyam Jaishankar, após reunião de três horas com o homólogo Wang Yi. “Os atritos e tensões que surgem dos desdobramentos com a China desde abril de 2020 não podem ser conciliados com um relacionamento normal entre os dois vizinhos”.

Beijing, por sua vez, fez um discurso conciliador. “Os dois lados devem colocar as diferenças na questão da fronteira em uma posição apropriada nas relações bilaterais e aderir à direção correta de desenvolvimento das relações bilaterais”, disse Wang. “A China não persegue a chamada ‘Ásia unipolar’ e respeita o papel tradicional da Índia na região. O mundo inteiro prestará atenção quando a China e a Índia trabalharem de mãos dadas”.

O premiê da Índia, Narendra Modi, e o presidente da China, Xi Jinping, em encontro dos líderes do BRICS, em 2017 (Foto: Wikimedia Commons)

Cercada de mistério, a visita de Wang à Índia foi anunciada somente quando o representante chinês já estava em solo indiano. De acordo com Jaishankar, foi um pedido de Beijing que o encontro não fosse previamente informado.

Na viagem, Wang aproveitou para se reunir com Ajit Doval, consultor nacional de segurança de Nova Délhi, que cobrou da China um maior comprometimento com o fim das tensões fronteiriças. O Ministério das Relações Exteriores chinês diz que a questão precisa evoluir do atual estado de emergência em que se encontra para uma abordagem cotidiana de questões de fronteira.

O que ajuda a aproximar as duas nações é a abordagem em relação à guerra na Ucrânia, vez que tanto China quanto Índia consideram a Rússia uma nação amiga e têm rejeitado a posição ocidental de condenar e punir Moscou pela agressão. “Nós dois concordamos com a importância de um cessar-fogo imediato, bem como um retorno à diplomacia”, disse Jaishankar.

Atritos recentes

Pequenos incidentes diplomáticos entre os vizinhos têm se acumulado nos últimos meses. Em fevereiro, a Índia boicotou a cerimônia de abertura dos Jogos de Inverno Beijing 2022 porque um dos 1,2 mil portadores da tocha olímpica, símbolo máximo da competição, foi um militar chinês que lutou no sangrento confronto contra as forças indianas no Himalaia em 2020.

O coronel Qi Fabao foi comandante de regimento do exército chinês que atacou a Índia na fronteira, onde armas de fogo são proibidas e o combate foi travado corpo a corpo. Durante a batalha, travada com pedaços de paus, pedras e escudos, ele sofreu um corte de dez centímetros na testa.

Antes, em janeiro, Nova Délhi havia contestado a construção de uma ponte sobre o lago Pangong, na Caxemira indiana, perto da fronteira entre os dois países e dentro de uma região reivindicada por ambos. A ponte tem 400 metros de comprimento, 8 metros de largura e está sendo erguida por Beijing perto da Linha de Controle Real (LAC, na sigla em inglês), que representa a fronteira de fato entre os dois países.

O Ministério das Relações Exteriores da Índia alega que a ponte está sendo construída em áreas “sob ocupação ilegal da China há cerca de 60 anos” e diz que está “monitorando” a obra “de perto”.

Por que isso importa?

Índia e China travam uma disputa territorial desde abril de 2020, quando soldados rivais se envolveram em combates em vários pontos da área montanhosa que divide os dois países, com acusações mútuas desrespeito à Linha de Controle Real (LAC, na sigla em inglês), a fronteira de fato entre as nações.

Os vizinhos compartilham uma fronteira não delimitada oficialmente de 3,5 mil quilômetros através do Himalaia e mantêm um acordo de paz instável desde o fim da guerra sino-indiana, em novembro de 1962.

Em 15 de junho de 2020, a paz na fronteira foi quebrada após novos confrontos entre soldados indianos e chineses no vale de Galwan, na região de Ladakh, na Índia. Na ocasião, 20 soldados indianos e quatro chineses morreram em combates corporais entre as tropas das duas nações. O confronto envolveu basicamente paus e pedras, sem nenhum tiro ter sido disparado.

Desde então, milhares de soldados estão posicionados dos dois lados da fronteira, e obras com fins militares tornaram-se habituais na região. As nações reivindicam vastas áreas do território alheio no Himalaia, problema que vem desde a demarcação de áreas pelos governantes coloniais britânicos.

Beijing e Nova Délhi mantiveram 14 rodadas de negociações desde os confrontos de junho de 2020. As conversas levaram à retirada de tropas em vários pontos ao longo da ALC, mas não de todos. E não foi possível chegar a nenhum acordo sobre a fronteira. Para especialistas, qualquer deslize de um dos lados pode levar a uma guerra entre as nações.

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