Novo problema da China: desinformação climática impulsionada pelo nacionalismo

Artigo relata a guerra de narrativas que em determinados momentos coloca Beijing como alvo, e em outros como responsável pela crise climática

Este artigo foi publicado originalmente em inglês no site da agência Al Jazeera

Por Purple Romero

Muito tem sido escrito sobre a desinformação climática no Ocidente, mas tem havido muito menos escrutínio do problema na China – um país que é um importante emissor de carbono e um líder no desenvolvimento de tecnologia verde.

O Annie Lab, nosso projeto de verificação de fatos na Universidade de Hong Kong, analisou as diversas narrativas dessa desinformação climática, cujos exemplos encontramos e verificamos no passado.

Uma coisa que podemos dizer é que essas narrativas estão profundamente conectadas à afirmação da China de sua identidade e à busca de suas aspirações. A China se recuperou após anos de pobreza, estabelecendo-se como um gigante econômico. Ela se orgulha dessa mudança e desenvolvimento, então qualquer desafio a esse progresso – e à imagem da China – é percebido como hostil.

Não muito tempo atrás, isso incluía a mudança climática, que, por volta de 2009-2011, era frequentemente retratada em livros chineses e programas de TV populares como uma farsa ocidental projetada para torpedear a ascensão econômica da China.

Depois de 2011, no entanto, a mensagem mudou. Esses livros e declarações públicas desapareceram em meio à crescente conscientização pública sobre a mudança climática. Isso forçou, de certa forma, o governo a levar o problema a sério.

No entanto, online, a negação do clima continua viva e forte.

De setembro de 2022 a abril de 2023, coletamos mais de cem postagens de plataformas chinesas de vídeo, mensagens e mídia social, como Douyin, Bilibili, Xigua, Weibo e WeChat, entre outras, que mostravam diferentes tipos de postagens enganosas sobre a mudança climática.

Céu nublado devido à poluição em Shang Di, China, março de 2010 (Foto: Divulgação/Cory M. Grenier)

Também encontramos postagens chinesas duvidosas semelhantes no YouTube e no Twitter, bem como artigos do Epoch Times, uma organização de notícias supostamente ligada ao Falun Gong, um grupo religioso proibido na China continental.

Nossa pesquisa revelou várias narrativas, uma das quais explicou as recorrentes imagens manipuladas retratando a ativista sueca Greta Thunberg como tendo ganhado de peso. Como se viu, a manipulação de suas fotos para fazê-la parecer assim não é um caso isolado, nem é uma tentativa juvenil de pelourinho malicioso ou um exemplo de zombaria inofensiva.

Um olhar mais profundo nos leva de volta aos comentários de Thunberg que provocaram afirmações patrióticas, inclusive de que ela era uma ferramenta ou marionete do Ocidente. Em um tweet de maio de 2021, Thunberg disse que, embora a China continue sendo um país em desenvolvimento, deve ser mais consciente sobre suas emissões de carbono.

Ela foi acusada de ser uma “ambientalista seletiva” porque não comentou sobre os planos do Japão de liberar águas residuais nucleares no Oceano Pacífico, embora tenha compartilhado um artigo sobre isso. Postagens online chinesas também disseram que Thunberg disse ao povo chinês para parar de usar pauzinhos para reduzir o desmatamento – embora não haja evidências de que a ativista climática tenha feito tal declaração.

As tensões entre a China e o Ocidente também moldaram outra narrativa.

Se antes, os autores de livros chineses diziam que a mudança climática era algo que o Ocidente inventou para que a China dependesse dele para a tecnologia verde, agora há postagens nas redes sociais dizendo o contrário. Como o gigante asiático emergiu como um dos principais fabricantes de tecnologia limpa, agora também é alvo de teorias da conspiração de extrema direita baseadas no Ocidente. Postagens enganosas foram encontradas no Twitter, bem como nas plataformas de compartilhamento de vídeos Rumble e Bitchute, sugerindo que a mudança climática é supostamente apenas uma farsa inventada pela China para que o Ocidente pudesse depender dela para obter tecnologia verde.

Uma ramificação disso é outra vertente de desinformação: o uso de vídeos não verificados no Twitter em chinês supostamente mostrando veículos elétricos e turbinas eólicas de qualidade inferior fabricados na China.

Enquanto isso, outras reivindicações e artigos de mídia social minimizaram o papel das emissões provocadas pelo homem. No YouTube, um disse que as erupções vulcânicas colocam mais dióxido de carbono na atmosfera do que as atividades humanas. Isso foi desmascarado.

No WeChat, um usuário disse que o aquecimento global foi causado por mudanças na órbita da Terra ao redor do sol. A agência espacial dos Estados Unidos, Nasa, esclareceu que, embora o sol realmente tenha um efeito sobre o clima da Terra, “não é responsável pela tendência de aquecimento que vimos nas últimas décadas.”

Os próprios especialistas chineses intervieram para corrigir algumas dessas afirmações. Autoridades da Estação Nacional de Previsão do Tempo Espacial da Administração Meteorológica da China desmentiram uma alegação de que a atividade solar é o principal fator por trás das mudanças no clima da Terra.

Enquanto isso, o China Environment News, veículo oficial do Ministério de Ecologia e Meio Ambiente da China, publicou um artigo explicando por que, ao contrário das alegações virais, o aumento das temperaturas não dará início a um período de prosperidade para a China continental. Essa afirmação em particular é muito específica da China, pois remonta às dinastias Han e Tang, que dizem ter experimentado estabilidade e prosperidade durante climas mais quentes.

Wu Yixiu, um ex-jornalista climático da China Dialogue, uma organização sem fins lucrativos que analisa questões climáticas na China e tem escritórios em Londres e Beijing, nos disse que a afirmação ressoou com o público porque refletia a aspiração da China de “rejuvenescimento”.

Esta narrativa, juntamente com as outras, revela que a desinformação climática na China é em grande parte moldada pelo nacionalismo, um sentimento que se tornou mais fervoroso sob o presidente Xi Jinping, mesmo que o próprio governo chinês às vezes tenha que intervir para contestar as falsas alegações.

Nem sempre é sobre a ciência, mas sobre a história. E, se a história é desconfortável, uma dose de desinformação sobre o clima nunca está longe.

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