Prisão de líder de ‘igreja informal’ gera indignação na comunidade cristã na China

Beijing insiste em rotular as doações de igrejas como um 'crime financeiro', buscando justificar penas extensas e rigorosas

Sujeitar as religiões ao nacionalismo chinês e aos ideais do Partido Comunista Chinês (PCC) parece ser algo cada vez mais importante dentro dos planos do regime de Xi Jinping, que está intensificando seu controle sobre os locais religiosos.

Exemplo disso ocorreu em uma manhã de novembro deste ano, quando Ding Zhongfu, presbítero de uma igreja na província central de Anhui, na China, foi acordado de forma hostil por batidas intensas em sua porta. Era a polícia. O cumprimento frio antecedeu um interrogatório, e, logo após, cinco agentes vasculharam o apartamento que ele morava com sua esposa, Ge Yunxia, e a filha de 6 anos. Por fim, ele acabou levado sob custódia sob acusação de fraude.

Agora, a família de Ding está apelando pela sua libertação, negando qualquer participação em atividades fraudulentas. De acordo com uma reportagem da Associated Press (AP), eles alegam ser vítimas de uma campanha de repressão às liberdades religiosas na China, que inclui proibição de celebrações de Natal e até a demolição forçada de cúpulas e cruzes em mesquitas e igrejas de grande porte.

As chamadas igrejas domésticas na China, também conhecidas como “igrejas informais”, são grupos cristãos que operam fora do sistema de registro oficial do governo. Embora a prática do cristianismo seja permitida no país, a legalidade está restrita a templos registrados pelo Estado.

Diante desse cenário, muitos fiéis optam por participar de igrejas domésticas, alegando que as igrejas oficiais implicam em aceitar a supremacia do governo e do PCC sobre a fé religiosa. Nos últimos anos, o governo intensificou a repressão contra essas igrejas, utilizando acusações como fraude para justificar detenções e perseguições.

Fachada de igreja católica na cidade de Zhengzhou, na China (Foto: Peter Griffin/Public Domain Pictures)

Sob a alegação de “fraude”, inúmeros cristãos enfrentam uma intensificação da perseguição na China, de acordo com Bob Fu, fundador do ChinaAid, um grupo de direitos cristãos com base nos EUA que está advogando pela libertação de Ding.

Nos últimos anos, Beijing tem aumentado a pressão sobre igrejas domésticas. Em 2018, o presidente chinês, Xi Jinping, lançou um plano quinquenal para “sinicizar” (tornar algo “mais chinês”) todas as religiões oficialmente permitidas no país, incorporando-as de “características chinesas”, incluindo a lealdade ao PCC. Em resposta, governos locais têm fechado igrejas domésticas por meio de despejos, interrogatórios policiais e detenções.

No começo deste mês, a polícia convocou a esposa de Zhongfu à delegacia, informando sobre a detenção de seu marido por suspeita de fraude, sem fornecer cópias dos documentos assinados. O episódio ocorreu enquanto a família se preparava para uma mudança programada para os Estados Unidos ainda neste anos, visando se reunir com a filha do religioso, fruto de um casamento anterior.

Wanlin Ding, filha do presbítero detido, falou à reportagem da AP: “Eu não era inicialmente favorável à mudança para os EUA, considerando-a uma transição bastante drástica. Foi somente nesse evento que percebi a gravidade da situação.”

A igreja doméstica de Ding, chamada Ganquan, enfrentou realocações frequentes na última década. A congregação comprou uma propriedade para cultos, registrada nos nomes do acusado e outros membros, mas a polícia impede seu uso. De uns tempos para cá, a igreja, que tem aproximadamente 500 membros, passou a se reunir em locais aleatórios para evitar a intervenção policial. Ding, além da função de presbítero, gerencia as finanças e oferece apoio comunitário.

Por que isso importa?

Com base na identidade religiosa formal, a China é o país menos religioso do mundo (entre todos os locais onde estão disponíveis dados de pesquisas), segundo artigo publicado em setembro pelo think tank Pew Research Center. Apenas um em cada dez adultos chineses se identifica com uma religião, de acordo com a Pesquisa Social Geral Chinesa (CGSS) de 2018. A China também tem o maior número de pessoas – cerca de um bilhão de adultos – que afirmam não ter qualquer filiação religiosa formal.

A relação da população chinesa com a religião é complexa, devido à diversidade de crenças e práticas religiosas no país. Enquanto algumas pessoas na China são praticantes ativos de várias religiões, como o budismo, taoísmo e islamismo, outras adotam uma abordagem mais secular em relação à vida espiritual.

Além disso, a China é oficialmente um país socialista e muitas vezes governado por uma perspectiva ateísta, o que influencia a forma como as religiões são praticadas e percebidas no país. A liberdade religiosa é limitada, especialmente para grupos não registrados pelo Estado, como as igrejas domésticas cristãs, que enfrentam desafios e restrições.

No início de dezembro de 2021, no Encontro Nacional Sobre Assuntos Religiosos do PCC, o presidente chinês Xi Jinping havia deixado clara a intenção de colocar a religião sob o guarda-chuva da sigla.

“Devemos manter o trabalho religiosos na direção essencial do partido. Devemos continuar a direcionar nosso país para a sinicização da religião. Devemos continuar a pegar o grande número de crentes religiosos e uni-los em torno do partido e do governo”, disse o líder nacional no evento.

O principal expoente do desafio que os fieis enfrentam na China é a etnia muçulmana dos uigures, que habitam a região autônoma de Xinjiang, no noroeste do país, fazendo fronteira com nações da Ásia Central, com quem divide raízes étnicas e linguísticas.

Devido ao grande processo de sinicização da fé, parte dessa iniciativa prevê a reformulação da fachada das mesquitas do país, com a remoção dos vestígios da língua árabe e das influências arquitetônicas mais evidentes da cultura do Oriente Médio. Os muçulmanos não têm recebido nada bem essa imposição.

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