China aumenta controle político sobre locais religiosos e atividades ligadas à fé

A partir de setembro, a campanha de "sinicização" liderada por Xi Jinping será expandida com novas regras. As diretrizes proíbem a construção de grandes estátuas religiosas ao ar livre, exceto em templos e igrejas

Sujeitar as religiões ao nacionalismo chinês e aos ideais do Partido Comunista Chinês (PCC). Essa parece ser a intenção do regime do gigante asiático, que está intensificando seu controle sobre os locais religiosos, cortando laços com organizações estrangeiras e impondo uma educação “patriótica” aos fiéis. As informações são da rede Radio Free Asia (RFA).

Esse comportamento do Estado deve ficar ainda mais claro a partir de 1º de setembro, quando novas regras exigirão que mosteiros, templos, mesquitas, igrejas e outros locais religiosos apoiem os planos do líder Xi Jinping para “sinicizar” (sincronizar com a cultura chinesa) a espiritualidade da população.

As regras proibirão expressamente qualquer atividade que possa ser considerada uma ameaça à segurança nacional, perturbar a ordem social ou prejudicar os interesses nacionais. O braço de divulgação do PCC, o United Front Work Department, será mais rigoroso na avaliação dos locais de práticas religiosas, buscando garantir que eles sejam leais à pátria e ao sistema socialista, e demonstrem apoio inquestionável ao partido único na China.

Implosão da igreja Candelabro Dourado, na província de Shanxi, em janeiro de 2018 (Foto: China Aid/Captura de tela/YouTube)

Essa medidas fazem parte de uma ampla campanha política para integrar aspectos chineses à atividade religiosa, que já resultou na retirada de retratos de Xi Jinping das igrejas, na proibição de celebrações de Natal e até na demolição forçada de cúpulas e cruzes em mesquitas e igrejas de grande porte.

Tais ações revelam uma clara tentativa do governo de controlar o cenário religioso interno e alinhar as crenças com os objetivos políticos e ideológicos do PCC. De acordo com a reportagem da RFA, isso levanta preocupações sobre a liberdade religiosa e os direitos dos fiéis em exercerem sua fé de forma autônoma e livre de influências externas.

As autoridades exigem que sejam mantidos registros de todas as atividades religiosas e sociais dos funcionários ou residentes, incluindo qualquer contato com organizações ou indivíduos estrangeiros.

Os sermões e ensinamentos devem estar de acordo com a situação nacional chinesa e refletir os valores fundamentais do socialismo. Com isso, os locais religiosos serão obrigados a promover a educação nacionalista, incentivando o uso do mandarim em atividades e textos religiosos.

Além disso, os locais devem integrar a cultura chinesa e seguir o estilo chinês em termos de arquitetura, escultura, pintura e decoração. Grandes estátuas religiosas ao ar livre fora de templos e igrejas serão proibidas, de acordo com as diretrizes.

Política acima da espiritualidade

A reportagem aponta que o financiamento coletivo realizado por fiéis para a construção ou expansão de locais de culto parece ter sido extinto. As diretrizes das medidas que entrarão em vigor daqui um mês estabelecem que é expressamente proibido investir em espaços de práticas de fé ou grandes estátuas sagradas ao ar livre.

As equipes de gestão ficarão encarregadas de interromper atividades religiosas ilegais e cultos, resistindo ao extremismo e evitando que forças estrangeiras usem a religião como meio de infiltração.

As regras também proíbem aceitar cargos de ensino de grupos religiosos ou instituições estrangeiras sem autorização prévia, bem como recusar doações do exterior.

Os grupos religiosos têm restrições quanto a realizar atividades não autorizadas fora dos programas previamente aprovados, assim como hospedar cultos não autorizados em locais não aprovados para esse fim.

Chang Chia-lin, professor do Instituto da China Continental na Universidade Tamkang de Taiwan, afirmou que as novas regras representam “a supremacia da política sobre a espiritualidade”. Ele observou que, em consequência, qualquer violação dessas regras pode resultar em medidas legais sendo tomadas contra os infratores.

Chang prevê que, após 1º de setembro, esses locais religiosos serão compelidos a acatar as diretrizes governamentais, seja pela Administração Estatal de Assuntos Religiosos ou pelo Departamento de Trabalho da Frente Unida.

Genocídio cultural e religioso

Uma multidão composta essencialmente por muçulmanos da etnia hui protagonizou um cena rara na China em junho. Eles desafiaram a autoridade do governo central e foram às ruas da cidade de Yuxi, na província chinesa de Yunan, protestar contra a repressão religiosa no país e contra o que classificam como “genocídio cultural e religioso”.

O protesto acrescentou um capítulo tenso ao grande processo de sinicização da fé estabelecido pelo presidente Xi Jinping.

Parte dessa iniciativa prevê a reformulação da fachada das mesquitas do país, com a remoção dos vestígios da língua árabe e das influências arquitetônicas mais evidentes da cultura do Oriente Médio. Os muçulmanos não têm recebido nada bem essa imposição.

Por que isso importa?

Nos últimos tempos, Beijing tem intensificado o controle sobre a religião, como parte de um processo de “sinicização” da fé. No início de dezembro de 2021, no Encontro Nacional Sobre Assuntos Religiosos do PCC, o presidente chinês Xi Jinping havia deixado clara a intenção de colocar a religião sob o guarda-chuva da sigla.

“Devemos manter o trabalho religiosos na direção essencial do partido. Devemos continuar a direcionar nosso país para a sinicização da religião. Devemos continuar a pegar o grande número de crentes religiosos e uni-los em torno do partido e do governo”, disse o líder nacional no evento.

O principal expoente do desafio que os fieis enfrentam na China é a etnia muçulmana dos uigures, que habitam a região autônoma de Xinjiang, no noroeste do país, fazendo fronteira com nações da Ásia Central, com quem divide raízes étnicas e linguísticas.

Em agosto de 2022, a ONU (Organização das Nações Unidas) divulgou um aguardado relatório que fala em “graves violações dos direitos humanos” cometidas em Xinjiang. O documento destaca “padrões de tortura ou maus-tratos, incluindo tratamento médico forçado e condições adversas de detenção”, bem como “alegações de incidentes individuais de violência sexual e de gênero”.

O governo chinês refuta as acusações e classifica como “campos de reeducação” as áreas onde vivem milhões de uigures. O argumento para isolar e vigiar a etnia muçulmana é o da “segurança nacional”, sob a justificativa de evitar a radicalização dos fiéis. Entretanto, para os governos de determinados países ocidentais, como Reino UnidoEstados Unidos e Canadá, a ação da China configura “genocídio”.

Tags: