Sem licença ambiental, Evergrande terá de demolir 39 edifícios em ilha artificial

Ocean Flower Island causou impactos ambientais, além de ter outras irregularidades em licenças de construção

As coisas vão de mal a pior para a gigante imobiliária chinesa Evergrande. Além da dificuldade para honrar a maior dívida do mundo no setor, agora, uma ameaça à biodiversidade no Mar da China Meridional resultou em uma ordem de demolição de dezenas de prédios na sua gigantesca ilha de resort artificial, inaugurada em 2021 pelo fundador da empresa, Hui Ka Yan. As informações são da agência Reuters.

Devido à ausência de licenças ambientais e às violações de construção, a Ocean Flower Island, que faz parte de um complexo turístico em Danzhou, na província de Hainan, teve decretada a demolição de 39 torres do projeto orçado em US$ 13 bilhões – o que corresponde a cerca de 3,9 mil das 65 mil residências da ilha. Ainda não há data definida para que os prédios sejam colocados abaixo.

A demolição parcial do projeto em forma de flor, que se estende em cinco ilhas artificiais na costa oeste da ilha de Hainan, complica ainda mais a vida daquela que já foi a incorporadora com maior número de vendas no país asiático, hoje afundada em uma dívida de US$ 300 bilhões e lutando para reviver o período de bons negócios e pagar credores e fornecedores.

Imagem de satélite do resort de luxo em ilha artificial (Foto: NASA Earth Observatory/Divulgação)

A investigação das autoridades locais levou quase dois anos, e concluiu que as leis ambientais e o regulamento sobre o pedido de licenças de construção foram violados em uma área que abrange mais de 434 mil m2. O relatório, que sustenta a ordem de demolição emitida em dezembro, mostra como as obras contornaram as regulamentações ambientais e de zoneamento durante quase uma década de desenvolvimento.

A Ocean Flower Island está localizada em uma área predominantemente rural da província de Hainan, no extremo sul da China. O projeto foi inspirado na Palm Island, o famoso conjunto de três ilhas artificiais em Dubai. O resort paradisíaco idealizado pela Evergrande oferece, além de torres residenciais, parques temáticos, hotéis cinco estrelas, restaurantes com estrelas Michelin, shopping centers, museus e spas.

Endividamento gerou investigação

Paralelamente ao colapso financeiro de Evergrande, ocorrido em 2020, o órgão anticorrupção do Partido Comunista Chinês (PCC), a Comissão Central de Inspeção Disciplinar (CCDI, da sigla em inglês), em um esforço conjunto com o Ministério de Ecologia e Meio Ambiente, começaram a examinar mais de perto a Ocean Flower Island.

Segundo a reportagem, o ex-secretário do PCC em Danzhou, Zhang Qi, foi condenado no final de 2020 à prisão perpétua por aceitar subornos de empresários não identificados e ajudá-los a adquirir ilegalmente terras protegidas por legislações ambientais, conforme detalha um relatório da CCDI no início de 2021.

O documento da CCDI aponta a Ocean Flower Island como um exemplo de projeto que Zhang facilitou ilegalmente para “ganhar capital político”, dizendo que “usou as ilhas para ficar rico”. Ele se declarou culpado das acusações de corrupção e devolveu às autoridades todo o suborno recebido, informou a agência de notícias estatal Xinhua no final de 2020.

As investigações da CCDI também descobriram que a construção da ilha artificial causou danos permanentes em grande escala aos recifes de coral e conchas brancas.

A Evergrande está tentando adiar a demolição, ao mesmo tempo em que tenta reestruturar a dívida bilionária. Além disso, fontes indicam que a incorporadora está tentando mudar de sede, de modo a aliviar as despesas.

Por que isso importa?

Além da inadimplência imobiliária, a China sofre também com uma crise energética, decorrente do aumento do preço das fontes de energia globais, da escassez de carvão no país e das consequentes interrupções da produção em diversas fabricas. “A restrição de produção e a escassez de energia provavelmente continuarão pesando no crescimento do quarto trimestre”, disse recentemente uma projeção feita pelos economistas do banco suíço UBS.

Uma junção de fatores colocou a China nessa situação. Primeiro, a pressão do governo para reduzir as emissões de gases do efeito estufa, com vistas à meta de atingir a neutralidade de emissões até 2060. Num país que tem quase 60% da economia dependente do carvão, a solução foi impor racionamento de energia em residências e na indústria, a fim de manter sob controle as emissões provenientes da queima de carvão.

Paralelamente, as chuvas torrenciais que atingiram o país recentemente causaram inundações na província de Xanxim, de onde sai cerca de 30% de todo o carvão consumido no país. Como resultado, o preço do produto disparou, e o governo agora se vê numa encruzilhada, forçado a suspender os limites de produção de carvão existentes por razões ambientais.

Na indústria, as grandes vítimas do racionamento são os setores que demandam mais energia elétrica, como a produção de cimento e as fundições de alumínio e aço, segundo a rede britânica BBC. Num caso extremo, uma fábrica têxtil da província de Jiangsu cortou totalmente a energia num período entre setembro e outubro. Com isso, cerca de 500 trabalhadores tiveram que deixar seus postos e receberam um mês de folga remunerada.

Diferente da crise imobiliária, a energética pode, sim, gerar reflexos relevantes para a economia mundial. Isso porque a cadeia de produção global se habituou com os baixos preços dos produtos oferecidos pela China. Se a escassez de energia levar a uma queda brusca de produção na indústria chinesa, o fornecimento diminuiria e teríamos uma tendência de aumento de preços, com impacto inflacionário relevante no mundo todo.

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