Acesso a trabalho pode ter influência em mortes femininas por Covid-19

Para pesquisadora de Oxford, menor número de óbitos de mulheres estaria ligado a menor participação no mercado

por Iana Caramori

Uma pesquisa da Universidade de Oxford, na Inglaterra, dá indícios de que o menor número de mortes de mulheres pelo novo coronavírus está relacionado a menor participação delas no mercado de trabalho.

Para a pesquisadora Renée B. Adams, as diferenças biológicas entre mulheres e homens não explicam o número mais baixo de mortes pela Covid-19.

A pesquisadora comparou os dados de países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) no estudo.

Em Portugal, por exemplo, 50% das mortes por coronavírus é de mulheres, que compõem 45% da força de trabalho do país.

O México traz um cenário semelhante: enquanto as vítimas mulheres do Covid-19 somam 35% do total, o mercado de trabalho mexicano é composto em menos de 30% de mulheres.

Desigualdade de gênero no mercado de trabalho pode ter relação com mortes por Covid-19
Mulher sentada na rua, próximo a um mercado de Abidjan, na Costa do Marfim (Foto: Jennifer A. Patterson/OIT)

Brasil

Segundo dados do Ministério da Saúde, até o último dia 13, 58.8% das mortes por Covid-19 foram do sexo masculino, somando 23,1 mil óbitos. Entre as mulheres, as vítimas da doença foram 16,2 mil (41,2%).

No 1º trimestre de 2020, de acordo com a Pnad Contínua, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografa e Estatística), a população ocupada do Brasil era composta por 56,2% por homens e 43,7% por mulheres.

A realidade brasileira se encaixa na observação feita pela pesquisa, segundo Maitê Gauto, gerente de Programas e Incidência da Oxfam Brasil.

Para Gauto, a observação feita pela pesquisadora sobre a qualidade de vida da mulher inserida no mercado de trabalho também é relevante no país.

A pesquisa britânica aponta que a incidência de outras doenças, como problemas respiratórios e cardiovasculares, cresce à medida em que aumenta a participação das mulheres no mercado de trabalho.

“No caso brasileiro, podemos considerar que as mulheres acumulam não só a atividade profissional, mas grande parte do trabalho de cuidado da casa e das crianças“, aponta Gauto. “Isso faz com que muitas vezes a qualidade de vida das mulheres seja prejudicada, podendo influenciar comorbidades”.

No cenário do desemprego, a situação também é complicada, sobretudo para quem já vivia em situação de vulnerabilidade antes da pandemia.

“No Brasil, mulheres negras e pobres estão em um dos grupos mais vulneráveis que temos. A questão de gênero aparece de uma maneira bastante forte e, no caso das desigualdades brasileiras, a gente não pode desconsiderar a questão racial”, diz Gauto.

Discriminação

À reportagem, Renée B. Adams explicou que responsabilizar a diferença das mortes a fatores biológicos é perigoso. “A história de que mulheres são geneticamente menos suscetíveis ao Covid-19 será usado para discriminação no atendimento médico e nas medidas de retorno ao trabalho”, conta.

Adams vê a possibilidade de que autoridades negligenciem ainda mais as políticas públicas que buscam igualdade de gênero no mercado de trabalho.

“Embora as pessoas entendam que as mulheres vêm suportando o peso do aumento das tarefas e da violência doméstica, por exemplo, temo que os governos terão menor preocupação com o acesso das mulheres à saúde no futuro”, afirma Adams.

Além da saúde, há outros riscos envolvidos no retorno ao trabalho. Um exemplo é a mulher que não pode voltar por não ter com quem deixar os filhos.

“As ações de mitigação dos efeitos da pandemia não podem desconsiderar [as necessidades das mulheres]. Não pode todo mundo voltar a trabalhar sem garantir as condições para que isso aconteça”, aponta Gauto.

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