Aplicativos de celular são invadidos por Beijing para monitoramento dos uigures

Pesquisadores suspeitam que agentes maliciosos estejam trabalhando com o governo chinês para espionar a minoria étnica

Vítimas de vigilância excessiva realizada pelo governo chinês, os uigures, minoria muçulmana que habita a província de Xinjiang, no noroeste da China, também têm sido monitorados por meio de aplicativos desenvolvidos na língua do grupo étnico. A informação foi revelada por especialistas em cibersegurança e reproduzida pela rede Radio Free Asia.

A descoberta é de pesquisadores do laboratório de ameaças da empresa de segurança de computadores e redes Lookout Mobile Security, sediada na Califórnia. Eles identificaram duas ferramentas de malware para o sistema operacional Android, chamadas BadBazaar e Moonshine – esta identificada pelo CitizenLab em 2019 e implantado contra grupos tibetanos. Os chamados spywares visam uigures na China e no exterior. 

Segundo relatório divulgado pela Lookout, as ferramentas estariam sendo usadas pelas autoridades para rastrear atividades consideradas “extremismo religioso” ou “separatismo”. Os spywares permitem a espionagem de uigures que usam redes privadas virtuais (VPNs) para se comunicar com muçulmanos no exterior por meio de aplicativos de mensagens como o WhatsApp, populares fora da China.

Malware visa minorias étnicas e religiosas na China (Foto: Blogtrepreneur/Flickr)

Os aplicativos personificados abrangem uma ampla variedade de categorias: dicionários, busca por companheiros para práticas religiosas, otimizadores de bateria e players de vídeo.

Eles coletam informações de localização, listas de pacotes instalados, registros de chamadas e seus locais geocodificados associados, telefonemas e contatos, aplicativos Android instalados, informações de SMS, informações de dispositivos móveis e dados de conexão Wi-Fi, detalhou o relatório.

Segundo Kristina Balaam, engenheira de inteligência de segurança e pesquisadora sênior de ameaças da Lookout, seus colegas estão seguros de que os agentes maliciosos falam chinês e estariam operando de acordo com os interesses do governo da China.

“Suspeitamos que eles estejam baseados na China continental”, disse ela.

Abdushukur Abdureshit, especialista em segurança cibernética uigur, explica que os apps têm sofisticados recursos de roubo de dados que coletam informações pessoais, fotos e números de telefone e os enviam para outro servidor.  

“Está claro que o governo chinês está tentando controlar os uigures no exílio”, disse ele. “Se nossas fotos são roubadas e onde vamos e dormimos são monitorados, e nossos registros telefônicos e informações são coletados, isso significa que eles sabem tudo sobre nós”.

Não foram encontradas pela Lookout evidências de que esses aplicativos tenham sido disponibilizados na loja de aplicativos oficial do Android, a Google Play. Sendo assim, provavelmente, eles são distribuídos por meio de lojas de terceiros ou sites maliciosos.

Em agosto, um relatório da ONU (Organização das Nações Unidas) de 20 páginas, feito com base em pesquisas independentes, testemunhas e outras fontes, descreveu métodos contemporâneos de escravidão em Xinjiang, maquiados por um sistema que se propõe a buscar o desenvolvimento social. O documento apontou que, além dos uigures, cazaques e outras minorias étnicas trabalham contra a própria vontade em setores como agricultura e manufatura.

Por que isso importa?

A comunidade uigur é uma minoria muçulmana de raízes turcas que habita a região autônoma de Xinjiang, no noroeste da China. A província faz fronteira com países da Ásia Central, com quem divide raízes étnicas e linguísticas.

Os uigures, cerca de 11 milhões, enfrentam discriminação da sociedade e do governo chinês e são vistos com desconfiança pela maioria han, que responde por 92% dos chineses. Denúncias dão conta de que Beijing usa de tortura, esterilização forçada, trabalho obrigatório e maus tratos para realizar uma limpeza étnica e religiosa em Xinjiang.

Estimativas apontam que um em cada 20 uigures ou cidadãos de minoria étnica já passou por campos de detenção de forma arbitrária desde 2014.

O governo de Joe Biden, nos EUA, foi o primeiro a usar o termo “genocídio” para descrever as ações da China em relação aos uigures. Em seguida, Reino Unido e Canadá também passaram a usar a designação, e mais recentemente a Lituânia se juntou ao grupo.

A China nega as acusações de que comete abusos em Xinjiang e diz que as ações do governo na região têm como finalidade a educação contraterrorismo, a fim de conter movimentos separatistas e combater grupos extremistas religiosos que eventualmente venham a planejar ataques terroristas no país.

O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China Zhao Lijian afirma que o trabalho forçado uigur é “a maior mentira do século”. “Os Estados Unidos tanto criam mentiras quanto tomam ações flagrantes com base em suas mentiras para violar as regras do comércio internacional e os princípios da economia de mercado”, disse ele.

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