Ruptura na CEDEAO consolida aliança de regimes militares no Sahel e enfraquece bloco regional

Mali, Burkina Faso e Níger avançam na criação de força conjunta após deixarem a aliança, enquanto incertezas econômicas crescem

O afastamento definitivo de Mali, Burkina Faso e Níger da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) marca um momento crítico da história do bloco regional. Com décadas de cooperação interrompidas, os três países apostam a partir de agora em sua Aliança dos Estados do Sahel (AES) para redefinir a estratégia política, econômica e militar, iniciando um novo e importante capítulo após mais de um ano de crise diplomática entre antigos aliados. As informações são da rede BBC.

A decisão de saída ocorre após longo atrito entre as juntas militares que governam os três países e a CEDEAO. O bloco impôs sanções severas ao Níger após o golpe de 2023, incluindo o fechamento de fronteiras, restrições financeiras e ameaças de intervenção militar para restaurar um governo civil. Medidas semelhantes já haviam sido aplicadas contra Mali e Burkina Faso, reforçando a narrativa dos novos líderes de que o bloco serve mais a interesses externos do que à estabilidade regional.

O bloco econômico, que já contou com 15 países, agora perde três nações estratégicas que, juntas, representam mais da metade da área territorial da CEDEAO e uma população de 76 milhões de pessoas. No entanto, a saída também enfraquece as ex-integrantes, que dependiam da livre circulação de bens e pessoas no espaço econômico comum.

Da esquerda para a direita, os líderes militares do Mali, Assimi Goita, do Níger, Abdourahamane Tchiani, e de Burkina Faso, Ibrahim Traore (Foto: x.com/GoitaAssimi)

Mesmo com o rompimento, algumas regras permanecerão inalteradas. A CEDEAO anunciou que continuará reconhecendo passaportes emitidos sob sua chancela para cidadãos de Mali, Burkina Faso e Níger. Além disso, os três países seguem integrados ao sistema de livre comércio da região, minimizando um impacto imediato nas relações econômicas.

Por outro lado, o principal desdobramento imediato da ruptura é militar. Mali, Burkina Faso e Níger anunciaram a criação de uma força conjunta de cinco mil soldados para combater a insurgência jihadista que há anos desestabiliza o Sahel. A CEDEAO, que oferecia apoio logístico e treinamento para essas operações, pode reduzir sua participação nas ações de segurança da região.

A saída do bloco também reflete uma mudança no eixo geopolítico dos três países, que nos últimos anos fortaleceram laços com a Rússia e reduziram a influência de potências ocidentais, especialmente da França. A presença de mercenários do Wagner Group em Mali e Burkina Faso já havia sinalizado um realinhamento militar, enquanto o Níger, historicamente um aliado dos EUA e da União Europeia (UE), começou a revisar suas parcerias.

Populações divididas

A decisão de ruptura não foi unânime entre os cidadãos. Enquanto algumas cidades viram manifestações em apoio à saída da CEDEAO, outras registraram preocupação com o futuro. O jornalista e blogueiro maliano Fatouma Harber destacou o receio de que a mudança traga complicações administrativas e econômicas para a população. “Porém, se a Aliança dos Estados do Sahel realmente trouxer benefícios para nós, isso será excelente”, afirmou.

Outros manifestantes demonstraram entusiasmo com a saída. “A CEDEAO não tem poder algum, são os ocidentais que decidem por seus líderes. Sim, estou muito feliz com essa decisão”, disse Zabeirou Issa, residente de Bamako, capital do Mali. Já Cisse Kabore, em Ouagadougou, expressou sua frustração: “Agora a região não será mais unida como antes.”

Apesar da decisão formalizada, a CEDEAO tenta manter um canal de diálogo. O chefe da Comissão do bloco, Omar Alieu Touray, ressaltou que os três países podem retornar quando desejarem: “Qualquer Estado pode decidir voltar à comunidade a qualquer momento.”

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