Berlim adia decisão sobre gasoduto russo e gera risco de escassez de gás no inverno

Diante da possibilidade de o Nord Stream 2 entrar em funcionamento somente em março, preço do gás natural aumento de novo na Europa

A Europa enfrenta uma grave crise no setor de gás natural, cujos preços subiram a níveis preocupantes nos últimos meses. E o problema, que tem Alemanha e Rússia como protagonistas, ficou mais longe de uma solução nesta semana, quando o órgão alemão que regulamenta a questão adiou para 2022 a decisão sobre o início das operações do gasoduto Nord Stream 2.

“Espero que o início das operações do Nord Stream 2 possa ser adiado até março de 2022”, disse na quarta-feira (17) uma fonte do governo alemão à agência Reuters, sem se ater aos motivos para postergar o veredito.

O anúncio derruba a esperança de que o gasoduto viesse a funcionar já durante o período crítico do inverno europeu, o que aumentaria a oferta de gás e, possivelmente, ajudaria a controlar o aumento do preço. Com o impasse, o gás ficou 8% mais caro na quarta-feira, surgindo paralelamente o temor de escassez do produto nos meses mais frios do ano.

Berlim adia decisão sobre gasoduto russo e e gera risco de escassez de gás no inverno
Parte dos tubos do gasoduto Nord Stream 2 na cidade de Mukran, Alemanha, outubro de 2019 (Foto: WikiCommons/Gerd Fahrenhorst)

Na visão do governo russo, o adiamento tem viés político e é um desdobramento do distanciamento diplomático entre Berlim e Moscou. O posicionamento é compartilhado pela OA (Associação Empresarial Alemanha-Leste, da sigla em alemão), uma iniciativa econômica encabeçada pela Alemanha que engloba países do Leste Europeu, da Europa Central, do sul do Cáucaso e da Ásia Central.

Segundo Oliver Hermes, líder do grupo, o adiamento tem impacto tanto econômico quanto ambiental. “Acelerando a transição do carvão para o gás natural nos próximos anos, é possível desbloquear o potencial substancial de redução das emissões de CO2. Nesse aspecto, seria absolutamente contraproducente prejudicar os projetos de infraestrutura mais avançados, como o Nord Stream 2, por motivação política”, disse ele à agência estatal russa Tass.

E a situação ainda pode piorar, segundo alguns analistas. Isso porque, mesmo com a eventual aprovação do órgão regulador alemão, será necessário também o aval da União Europeia (UE). “Estimamos que a certificação só poderá ser concluída por volta de abril do próximo ano, no mínimo, com amplo potencial para uma extensão até agosto de 2022, dada a probabilidade de uma avaliação ainda mais rigorosa na próxima fase de revisão da Comissão Europeia”, disse Zongqiang Luo, analista de mercados de gás da consultora independente Rystad Energy.

Por que isso importa?

O Nord Stream 2 foi projetado para fornecer gás russo diretamente para a Alemanha através do Mar Báltico, contornando a Ucrânia e a Polônia. Apesar da necessidade europeia de ampliar urgentemente a oferta de gás natural em meio à crise do setor, a obra divide opiniões, com os Estados Unidos encabeçando a oposição.

Os críticos sustentam que o novo gasoduto não é compatível com as metas climáticas europeias, acentua a dependência das exportações russas de energia e potencialmente aumentará a influência exercida pelo presidente Vladimir Putin na região. Já a Rússia e Alemanha defendem a iniciativa como “puramente comercial”, uma forma de atender à crescente demanda por gás no continente.

Por sua vez, Yuriy Vitrenko, CEO da Naftogaz, maior empresa ucraniana de petróleo e gás, acusa a russa Gazprom, que lidera o grupo de investidores do Nord Stream 2, de deliberadamente reter o gás que poderia ir para a Europa, além de bloquear o acesso ao sistema de transporte de gás de outras empresas russas. A Ucrânia, em particular, contesta a obra e a trata como uma reprimenda política, porque o gasoduto contorna o país e, assim, tira de Kiev os milhões de euros que fatura anualmente como intermediária do fornecimento.

A Agência Internacional de Energia (IEA, da sigla em inglês) chegou a pedir à Rússia que enviasse mais gás à Europa, de forma a aliviar a escassez do produto, problema que já fez os preços dispararem mais de 250% desde janeiro. O posicionamento foi interpretado como uma incomum repreensão ao Kremlin, corroborando a narrativa de que Moscou teria responsabilidade na crise energética no continente.

O gasoduto, cuja obra foi concluída em setembro deste ano, integra a estrutura do Nord Stream 1, em operação desde 2011, e é responsável pelo abastecimento de 40% do gás natural consumido pelos alemães. Em funcionamento, o Nord Stream 2 adicionará 55 bilhões de metros cúbicos de suprimento de gás por ano, ou cerca de 11% do consumo total anual da UE – em 2019, os 27 países do bloco usaram 469 bilhões de metros cúbicos.

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