Desafiador, Lukashenko exibe em evento público crianças ucranianas levadas a Belarus

Ditador belarusso anunciou que um novo grupo de jovens chegou ao país desde a Ucrânia e prometeu a eles uma 'infância mais feliz'

O presidente belarusso Alexander Lukashenko não parece preocupado com a possibilidade de ser alvo de um mandado de prisão internacional como o que foi expedido contra o aliado Vladimir Putin. Na quinta-feira (28), ele participou de um evento público que contou com crianças ucranianas retiradas de seu país e levadas a Belarus, segundo informou a agência Associated Press (AP).

O ditador anunciou no evento a chegada de um novo grupo de menores de idade ucranianos levados a Belarus em meio à guerra da Ucrânia. E fez um discurso caloroso de boas-vindas, prometendo “abraçar estas crianças, trazê-las para a nossa casa, mantê-las aquecidas e tornar a sua infância mais feliz.”

Foi justamente a extração de crianças ucranianas que levou o Tribunal Penal Internacional (TPI) a emitir um mandado de prisão contra Putin e Maria Alekseyevna Lvova-Belova, comissária para os Direitos da Criança no gabinete dele.

De acordo com o TPI, os crimes que motivaram os mandados “teriam sido cometidos em território ucraniano ocupado pelo menos desde 24 de fevereiro de 2022”, data da invasão russa.

Já os indícios de que Belarus também participa do processo começaram a surgir em junho. Na ocasião, Dzmitry Shautsou, secretário-geral da Cruz Vermelha belarussa, confirmou que o país participa do processo e que o objetivo é oferecer “melhorias de saúde” aos jovens.

Alexander Lukashenko, presidente de Belarus: crianças retiradas da Ucrânia(Foto: Creative Commons)

Mais recentemente, em novembro, um relatório da Universidade de Yale, nos EUA, revelou que mais de 2,4 mil crianças ucranianas foram realmente levadas a Belarus.

As crianças partiram de ao menos 17 cidades nas regiões ucranianas de Donetsk, Luhansk, Kherson e Zaporizhzhya, todas parcialmente ocupadas por forças russas. O principal destino é um centro infantil em Dubrava, na região de Minsk, com outros 12 estabelecimentos tendo igualmente recebido menores em Belarus.

“O esforço sistemático da Rússia para identificar, recolher, transportar e reeducar as crianças da Ucrânia foi facilitado por Belarus”, afirma o relatório de Yale. “O governo federal da Rússia e o regime de Belarus têm trabalhado juntos para coordenar e financiar o movimento de crianças da Ucrânia ocupada pela Rússia, através da Rússia, para Belarus.”

Mandado de prisão?

As declarações dadas no evento de quinta-feira tendem a colocar Lukashenko definitivamente sob a mira do TPI, que já vinha sofrendo pressão de grupos humanitários e governos ocidentais para denunciar o presidente belarusso como o fez com Putin.

Pavel Latushka, ex-ministro da Cultura de Belarus e hoje membro da oposição ao ditador, apresentou à corte provas do envolvimento de Lukashenko no processo e diz que as novas evidências “sublinham a necessidade de o TPI investigar esses crimes.”

“Lukashenko, seus familiares e associados, juntamente com o Kremlin, organizaram um sistema de transferência de crianças ucranianas, incluindo órfãs, dos territórios ocupados para Belarus, e este canal ainda está funcionando”, disse Latushka à AP.

Crime de guerra e genocídio

A deportação em massa forçada de pessoas durante um conflito é classificada pelo Direito Internacional Humanitário como um crime de guerra. A transferência forçada de crianças, particularmente, configura um ato genocida. No caso da guerra da Ucrânia, tais denúncias surgiram ainda nos primeiros dias de combate e desde então vêm aumentando.

Em junho de 2022, menos de quatro meses após a invasão russa, a então alta comissária da ONU (Organização das Nações Unidas) para os direitos humanos, Michelle Bachelet, disse que seu escritório investigava tais alegações. Ela destacou a suspeita de que crianças ucranianas órfãs vinham sendo adotadas por famílias russas sem o devido procedimento legal e citou relatos de que a Rússia estava “modificando a legislação existente para facilitar o andamento das adoções” em Donetsk e Luhansk. 

Em fevereiro deste ano, o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, usou a palavra “genocídio” para definir a abdução de crianças ucranianas durante a guerra. Ele se manifestou em mensagem de vídeo exibida em sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU.

“O crime mais assustador é que a Rússia rouba crianças ucranianas”, disse Kuleba no evento realizado em Genebra, na Suíça, acrescentando que tais ações constituem “provavelmente a maior deportação forçada da história moderna”. E sentenciou: “Este é um crime genocida.”

A denúncia foi reforçada por Annalena Baerbock, ministra das Relações Exteriores da Alemanha. “O que poderia ser mais desprezível do que tirar as crianças de suas casas, longe de seus amigos, de seus entes queridos?”, questionou ela na mesma sessão do Conselho.

A chefe da diplomacia alemã citou o caso de 15 crianças que teriam sido levadas de Kherson ainda no início da guerra, sendo que a mais jovem tinha nove anos à época. “Não vamos descansar até que todas essas crianças estejam em casa”, afirmou a ministra. “Porque os direitos das crianças são direitos humanos, e os direitos humanos são universais.”

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