Justiça da Bulgária anula ordem de extradição de russo que queimou passaporte

Tribunal de Varna decidiu não extraditar o dissidente Alexey Alchin, alegando que seus direitos poderiam não ser garantidos se voltasse para a Rússia

Um tribunal de apelações na cidade Varna, na Bulgária, revogou nesta quinta-feira (25) uma decisão de primeira instância para extraditar o cidadão russo Alexey Alchin, conhecido por queimar seu passaporte em protesto contra a guerra na Ucrânia. As informações são da rede Radio Free Europe.

O tribunal decidiu que a segurança e o bem-estar de Alchin, um crítico do conflito iniciado por Vladimir Putin, não podem ser garantidos se ele fosse enviado de volta para a Rússia. A decisão pela não extradição veio após seus advogados sustentarem que não foram fornecidas “garantias adequadas de que os direitos e a dignidade de Alchin seriam protegidos e que ele não seria perseguido por razões políticas”. Não cabe mais apelação.

Alchin, 46 anos, um ex-empresário do ramo de exportação de metal que vive na Bulgária há cinco anos, é acusado de evasão fiscal por Moscou, em uma fraude contra o Estado estimada em 4,5 milhões de euros. Ele está em prisão domiciliar desde junho.

Alexey Alchin vive há cinco anos na Bulgária, onde leciona artes marciais (Foto: reprodução Facebook)

Tais alegações são descritas pelo acusado como “forjadas” e teriam, segundo sua defesa, motivação política. O russo diz ser vítima de perseguição devido ao seu posicionamento político e consequentes críticas ao Kremlin.

Segundo as autoridades russas, que procuram o dissidente internacionalmente desde 2020, sua violação diz respeito ao Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), um tributo que se aplica a quase todos os bens e serviços adquiridos e vendidos para utilização ou consumo na União Europeia (UE). O acusado garante que quitou suas dívidas antes de deixar o país natal e alega desconhecer as acusações, remontam ao ano de 2018. 

Ele alega que fugiu da Rússia após ter sido avisado de que sua empresa de metais havia atraído o interesse das elites e que poderia responder por crimes fiscais.

Segundo Alchin, tudo ocorreu por conta de seu conhecimento do funcionamento interno do governo russo adquirido quando ocupava um cargo no Comitê de Política Econômica e Empreendedorismo da Duma, a câmara baixa do parlamento russo, função que largou em 2010 devido às preocupações com a corrupção.

Havia uma discussão que, no caso de uma aprovação, a extradição abriria um precedente na UE: a Bulgária se transformaria no primeiro Estado-membro do bloco econômico a entregar um cidadão russo às autoridades em Moscou desde o início do conflito, gesto que pode abrir as portas para novas demandas contra dissidentes que deixaram a Rússia.

Por que isso importa?

Na Rússia, protestar contra o governo já não era uma tarefa fácil antes da eclosão da guerra na Ucrânia. Os protestos coletivos desapareceram das ruas desde que o governo passou a usar a pandemia de Covid-19 como argumento para punir grandes manifestações, sob a alegação de que o acúmulo de pessoas fere as normas sanitárias. Assim, tornou-se comum ver pessoas solitárias erguendo cartazes com frases contra o governo.

Desde a invasão do país vizinho por tropas russas, no dia 24 de fevereiro, o desafio dos opositores do presidente Vladimir Putin aumentou consideravelmente, com novos mecanismos legais à disposição do Estado e o aumento da violência policial para silenciar os críticos. Uma lei do início de março, com foco na guerra, pune quem “desacredita o uso das forças armadas”.

Dentro dessa severa nova legislação, os detidos têm que pagar multas que chegam a 300 mil rublos (R$ 16,9 mil). A pena mais rigorosa é aplicada por divulgar “informações sabidamente falsas” sobre o exército e a “operação militar especial” na Ucrânia, que é como o governo descreve a guerra. A reclusão pode chegar a 15 anos.

Apesar dos riscos, muitos russos enfrentam a repressão e a possibilidade de serem presos e protestam de diversas maneiras para deixar clara sua oposição ao conflito.

Em Moscou, no dia 15 de março, ignorando todos esses riscos, uma mulher escolheu como ponto de protesto a Catedral do Cristo Salvador. Em um cartaz, reproduziu o sexto mandamento segundo a Igreja Ortodoxa: “Não matarás”. Outra mulher desafiou a censura e se posicionou em uma esquina próxima do Kremlin com um cartaz que dizia “Não à guerra”. Ambas foram retiradas por policiais e colocadas em um camburão menos de dez minutos depois de exibirem os cartazes.

Artista russa é presa por protestar contra a guerra nas etiquetas de preços
Jovem russa exibe cartaz com a frase “não matarás” em protesto antiguerra (Foto: reprodução/Twitter)

Yevgenia Isayeva, uma artista e ativista da cidade russa de São Petesburgo, optou por um protesto mais gráfico no dia 27 de março. Com um vestido branco, ela se posicionou em frente à prefeitura da cidade e, então, despejou tinta vermelha sobre a roupa, enquanto dizia repetidamente: “Meu coração sangra, meu coração sangra…”. Também teve poucos minutos para se manifestar antes de ser retirada à força.

Há, ainda, os manifestantes que querem deixar sua mensagens sem expor a própria imagem. Casos dos grafiteiros que têm feito surgir nos muros de cidades russas mensagens antiguerra. Também em 27 de março, dois homens foram presos na cidade de Tula, no sul do país, acusados de grafitar mensagens como “Derrubem Putin” e “Parem Putin”.

Coletivamente, um jeito diferente de protestar tem sido através de mensagens escritas em cédulas e moedas de rublos. O fenômeno passou a ser compartilhado em plataformas como TwitterTelegram e Reddit. As mensagens são normalmente escritas à mão, sendo as frases mais comuns “não à guerra” e “russos contra a guerra”.

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