O que esperar das visitas de Xi Jinping a França, Sérvia e Hungria

Especialistas analisam a passagem do líder chinês por cada uma das nações e como ela impactará na relação Europa-Beijing

Este artigo foi publicado originalmente em inglês no site do think tank Atlantic Council

Por especialistas do Atlantic Council

No passado e no presenta, Paris marca o início. Em maio de 1975, o vice-primeiro-ministro chinês, Deng Xiaoping, viajou para a França na primeira visita oficial de um líder comunista chinês a um país ocidental. Ele iria abrir a China para o mundo. Quarenta e nove anos depois, quase no mesmo dia, um líder chinês muito diferente, Xi Jinping, viajará para Paris, Belgrado e Budapeste, num momento em que a relação de Beijing com o Ocidente parece se estreitar. A viagem de Xi, de 5 a 10 de maio, ocorre um ano depois de a União Europeia (UE) ter começado a “reduzir o risco” da sua economia em relação à China e na sequência de casos de suspeita de espionagem chinesa na Europa. Abaixo, nossos especialistas compartilham o que procurar em cada uma das paradas durante a grande viagem europeia de Xi.

Xi Jinping no escritório das Nações Unidas em Genebra (Foto: UN Geneva/Flickr)
França

A França é a primeira parada de Xi, no momento em que ele propõe uma reaproximação do Velho Continente. O convite do presidente francês, Emmanuel Macron, à presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, para se juntar a uma reunião trilateral com Xi no primeiro dia, será fundamental para projetar uma abordagem unificada. Na semana passada, Macron alertou para a desintegração do projeto europeu caso não reforçasse as suas dimensões políticas e de segurança. A Sérvia e a Hungria mantêm um formato de cooperação com a China que contorna a UE. Esta apresentação da unidade europeia face à China é habitual para Macron, após a sua visita a Beijing em abril de 2023 com von der Leyen, e o seu convite à então chanceler alemã, Angela Merkel, e ao então presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, durante uma visita de Xi a Paris em março de 2019.

A nível bilateral, Macron manifestou a sua vontade de continuar estabelecendo parcerias em “questões globais” e de “fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para alinhar novamente a China com as regras internacionais”, como explicou em entrevista à revista The Economist. Mas 2024 não é 2019, e há muito mais clareza sobre os limites de ver a China como um parceiro confiável. Desde então, a UE reforçou os instrumentos de defesa comercial e tem sido mais ativa na correção das distorções econômicas e da concorrência. A França pressionou, nomeadamente, a investigação da Comissão sobre os subsídios chineses aos veículos elétricos. Com a China enfrentando agora uma recessão econômica, as questões estruturais de excesso de capacidade – especialmente em setores que criam distorções competitivas para a Europa e a França, incluindo veículos elétricos, painéis solares e baterias – serão, sem dúvida, um tema chave da visita.

Além disso, a credibilidade da vontade de Macron de assumir mais liderança política para a Ucrânia e a segurança europeia exige uma posição forte contra o apoio da China à Rússia. Com a visita do presidente russo, Vladimir Putin, à China no final de maio, Macron provavelmente irá envolver Xi em termos semelhantes aos de 2023, quando instou o líder chinês a não enviar armas para a Rússia. Desde então, porém, o apoio chinês à Rússia só aumentou, fazendo amplo uso de negações plausíveis e de bens de dupla utilização. A esperança é que as próximas conversas de Macron com Xi reflitam esta realidade.

*Léonie Allard é pesquisadora visitante no Centro Europeu do Atlantic Council, anteriormente no Ministério das Forças Armadas francês

Sérvia

Ao longo dos últimos quinze anos, a Sérvia desenvolveu uma parceria estratégica abrangente com a China, baseada numa estreita relação econômica e política. A China emergiu como o maior fornecedor individual de investimento direto estrangeiro da Sérvia, o seu segundo maior parceiro comercial depois da UE e um parceiro fundamental no tão necessário desenvolvimento de infraestruturas. A próxima visita de Xi à Sérvia oferece uma oportunidade para ambos os lados mostrarem as conquistas da sua cooperação ao longo da última década e meia.

No entanto, é improvável que os líderes enfrentem os desafios decorrentes do aumento da presença chinesa no país. Estes incluem o impacto ambiental negativo das empresas chinesas, a falta de transparência na negociação de projetos de infraestrutura e as críticas dos parceiros ocidentais da Sérvia, que veem o país como um centro chinês na porta de entrada para a UE.

A visita de Xi será a segunda em oito anos e traz muito simbolismo. Programada para 7 a 8 de maio, coincide com o vigésimo quinto aniversário do bombardeio da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) à embaixada chinesa em Belgrado durante a intervenção na Iugoslávia, que acabou por levar à queda do regime do presidente sérvio Slobodan Milosevic. Este evento teve um impacto significativo no sentimento chinês em relação à Otan e ao sistema de governança global que surgiu após a queda do Muro de Berlim.

Hoje, os bombardeios continuam a ser um tema significativo para as autoridades chinesas, que os utilizam para apoiar narrativas que questionam os valores das democracias liberais. Para a Sérvia, a visita representa uma oportunidade para reforçar a sua posição como principal parceiro da China nos Bálcãs Ocidentais. Este encontro marca a visita do mais alto nível à Sérvia em anos e traz consigo a esperança de novos projetos conjuntos que facilitarão o crescimento econômico do país.

*Stefan Vladisavljev é diretor de programa da Fundação BFPE para uma Sociedade Responsável

Hungria

A visita de Xi à Europa faz parte dos esforços da liderança chinesa para reverter a política de endurecimento da Europa sobre a redução dos riscos da China. A Europa Central e Oriental desempenha um papel importante nesta missão, uma vez que Beijing encontrou aqui vários países com ideias semelhantes que também desafiam a atual estratégia geopolítica de Washington (e dos seus aliados mais próximos) e desejam construir relações mais estreitas com a China e a Rússia. A Sérvia e a Hungria são peças-chave deste quebra-cabeças chinês.

Na Hungria, Xi se encontrará com o primeiro-ministro Viktor Orbán, que alinhou estreitamente a política externa da Hungria com a China e a Rússia na última década. Budapeste aderiu à Nova Rota da Seda (em inglês Belt and Road Initiative, ou BRI) em 2015 e tem sido porta-voz de Beijing dentro da União Europeia no que tange histórico de direitos humanos da China e de Taiwan.

Espera-se que Xi discuta com Orbán vários dos projetos de infraestrutura em curso da BRI e chegue a acordos sobre novos. É provável que ele levante a questão da aceleração do projeto ferroviário de alta velocidade Belgrado-Budapeste durante as suas conversações em Belgrado e em Budapeste. O projeto foi lançado em 2019, mas a construção do lado húngaro estava atrasada até que o governo húngaro decidiu acelerar as obras no início deste ano. Em fevereiro, a Grécia anunciou que iria aderir a este projeto e expandi-lo para Atenas, contrabalançando a recente retirada da Itália da BRI e criando uma rota alternativa para as exportações chinesas chegarem ao coração da Europa a partir do sul.

Espera-se que Xi e Orbán anunciem também novos e importantes projetos da BRI. Para apoiar o aumento da produção industrial na Hungria, a China vai construir a linha ferroviária que liga o Aeroporto Internacional de Liszt a Budapeste, bem como o chamado anel ferroviário V0, concebido para ajudar a movimentar o tráfego internacional de mercadorias para fora da capital. Os dois líderes irão supostamente visitar a cidade de Pécs, no sul, para anunciar um grande investimento da montadora chinesa Great Wall Motor no estabelecimento de uma nova fábrica em Bicsérd para produzir carros de categoria média e premium para o mercado europeu.

Além disso, é provável que discutam a implementação do seu acordo bilateral de cooperação em segurança recentemente assinado, que permite aos agentes da polícia chinesa trabalhar na Hungria em bairros com extensas populações de imigrantes chineses ou com uma elevada presença de turistas chineses.

*Zoltán Fehér é membro não residente do Global China Hub do Atlantic Council. Anteriormente, trabalhou como analista de política externa na embaixada da Hungria em Washington e como vice-embaixador e embaixador interino da Hungria na Turquia.


A escolha dos países europeus para a visita de Xi e o momento antes das eleições europeias em junho não são nada fortuitos no cálculo geopolítico da China. Xi procura aliviar as tensões comerciais, especialmente à medida que a Europa intensifica o escrutínio das práticas comerciais supostamente injustas da China em vários setores, que vão desde veículos elétricos a dispositivos médicos e painéis solares. Também central no itinerário de Xi é o seu esforço para sustentar a influência chinesa na Europa Central e Oriental, uma região que se distanciou cada vez mais da cooperação com Moscou após a invasão da Ucrânia pela Rússia. 

A China procura aproveitar formas de explorar a fraqueza estratégica contra a Europa e implementar a sua estratégia característica de “dividir para conquistar”. Budapeste – um crítico veemente da UE, que defende uma postura pragmática e neutra em termos de valores no que tange às relações econômicas – tem sido especialmente útil para este fim. O país atraiu cerca de dez bilhões de euros em investimentos chineses apenas no ano passado. A vontade de reforçar ainda mais a cooperação, indo potencialmente além das questões econômicas e de investimento para os domínios das infraestruturas e da segurança, parece ser mútua. Orbán vê a parceria como fundamental para seu país se tornar o foco da Europa para a produção de veículos elétricos e baterias de veículos elétricos nos próximos anos.

A próxima viagem diplomática de Xi à Europa é um capítulo significativo no manual estratégico da China. Incorpora a hábil navegação de Beijing no delicado equilíbrio entre o avanço agressivo dos seus imperativos econômicos e a preservação de relações diplomáticas amigáveis, possivelmente até reforçando a sua influência em certas partes do continente. 

*Soňa Muzikárová é membro sênior não residente do Atlantic Council e economista política focada na Europa Central e Oriental

União Europeia

As relações UE-China pioraram. A visita de Xi à Europa surge, portanto, num momento importante. A questão-chave para a UE é: terá ele algo atraente para oferecer? A China desafia a UE em duas áreas principais: a segurança e a economia. Apesar da repetida sensibilização dos líderes europeus, não houve nenhum progresso real. Beijing está redobrando seu apoio à guerra da Rússia na Ucrânia e o excesso de capacidade chinesa ameaça inundar o mercado europeu.  

A paciência da Comissão Europeia se esgotou. Agora, a ação preliminar segue as palavras. Bruxelas tem planos de adicionar mais empresas chinesas à lista de sanções à Rússia, lançou operações contra o fabricante chinês Nuctech por causa de subsídios estrangeiros, abriu processos contra a empresa chinesa de redes sociais TikTok e utilizou o seu instrumento de compras internacionais para investigar o setor de dispositivos médicos da China. Bruxelas está sinalizando a Beijing que algo tem de acontecer. Mas é um ato de equilíbrio. A Comissão precisa aumentar a pressão e, no entanto, evitar uma espiral descendente, mantendo-se abaixo do limiar da ação retaliatória chinesa

Portanto, todos os olhos estão voltados para Xi: Será que o imperador trará presentes, como a participação chinesa na conferência de paz na Ucrânia, a redução do apoio material à Rússia e maiores oportunidades econômicas para a UE? Ou irá aplacar e dividir os europeus fazendo ofertas bilaterais, por exemplo, a Viktor Orbán? O convite de Macron a von der Leyen para se juntar à sua reunião com Xi é, neste sentido, um passo forte, garantindo que a Comissão tenha voz neste intercâmbio.

*Roderick Kefferpütz é membro sênior não residente do Centro Europeu do Atlantic Council e diretor do escritório da União Europeia Heinrich-Böll-Stiftung em Bruxelas

China

Xi faz as suas visitas de Estado a França, Sérvia e Hungria com três objetivos: reparar as relações na Europa prejudicadas pelo apoio da China à guerra da Rússia contra a Ucrânia, enfraquecer a agenda de segurança econômica da UE em relação à China e mostrar os fortes laços de Beijing com seus parceiros leais, a Sérvia e a Hungria.  

Xi usará o seu tempo com Macron para minimizar o apoio contínuo da China à máquina de guerra de Putin. Ele também sublinhará que a França e outras nações europeias continuam se beneficiando do envolvimento econômico com a China e que deveriam seguir um caminho independente em vez de seguir o exemplo de Washington. Esta mensagem combinará bem com as perspectivas daqueles que na França têm receio de se alinhar estreitamente com os Estados Unidos nesta e em outras questões. Beijing, ciente das diferenças cada vez mais aparentes dentro da Europa no combate aos subsídios da China em indústrias-chave como os veículos elétricos, pretende criar barreiras entre os Estados-Membros para complicar a investigação dos subsídios da UE sobre as importações desses automóveis chineses.

Xi poderá também esperar tirar ainda mais partido das anteriores demonstrações de relutância da França em expandir o papel da Otan na Ásia e expressar solidariedade com a abordagem de Washington em relação a Taiwan. Macron sinalizou anteriormente que a França não pode “seguir cegamente o exemplo dos Estados Unidos” em Taiwan e deve “evitar ser arrastada para crises” que não são suas.  

Entretanto, a viagem de Xi à Hungria mostrará os fortes laços da China com um país da UE com opiniões decididamente mais positivas sobre a China do que as que atualmente emanam de Bruxelas. Espera-se que a China revele novos investimentos na BRI, tanto lá como na Sérvia, candidata à UE, que demonstrem a importância contínua da China como parceiro econômico. A China reconhece a importância estratégica da Sérvia nos Bálcãs Ocidentais e assinou um acordo de comércio livre com o país no final do ano passado. Xi se reunirá com o presidente sérvio, Aleksandar Vucic, em Belgrado, no dia 7 de maio, exatamente 25 anos depois de um ataque acidental da Otan à embaixada da China naquele país, que matou três jornalistas chineses.

Cada uma das paradas do itinerário servirá para avançar seus três objetivos para esta viagem.

*Matt Geraci é diretor assistente do Global China Hub do Atlantic Council.

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