Com ações do FBI, EUA fortalecem luta global contra centros de polícia da China no exterior

Uma das estações opera em Nova York e foi descoberta na semana passada. Para Washington, a ameaça vai além da coleta de informações e se estende ao rastreamento e perseguição de dissidentes no exterior

Os Estados Unidos intensificaram a luta global contra dezenas de centros avançados de polícia que servem ao governo da China em todo o mundo. Essas estações estariam sendo usadas para perseguir dissidentes e obrigá-los a voltar à terra natal para prestar contas, segundo mostra reportagem do jornal The New York Times.

Após a denúncia de que o governo da China gerencia 54 “centros de serviço da polícia no exterior”, usados para assediar cidadãos chineses em países estrangeiros, informação que veio à tona a partir de um relatório da ONG de direitos humanos Safeguard Defenders no ano passado, diversos países passaram a investigar a prática, com algumas dessas estações sendo ordenadas a encerrar as atividades. Com apoio do FBI, a polícia federal norte-americana, Washington tomou a dianteira nessas operações.

Beijing sustenta que tais postos avançados não cumprem trabalho policial. Porém, relatos da mídia estatal chinesa dizem que eles “coletam informações” e até resolvem crimes para muito além de sua jurisdição, segundo a reportagem. A busca evidencia os esforços do regime Xi Jinping para controlar cada vez mais a diáspora chinesa fora de suas fronteiras.

Polícia militar chinesa em Beijing (Foto: PxHere/Divulgação)

Esses centros foram originalmente criados como associações comunitárias de cidadãos de uma mesma região chinesa e forneciam apoio administrativo a turistas e imigrantes, como por exemplo para a confecção de documentos. Com o tempo, porém, passaram a ser usados para reprimir dissidentes e cidadãos chineses acusados de crimes em seu país.

No ano passado, agentes de contraespionagem do FBI revistaram um prédio comercial no bairro de Chinatown, em Nova York. Entre os diversos negócios e serviços conduzidos no local, especificamente um, no 3º andar, não tinha suas atividades listadas: um centro policial chinês suspeito de conduzir operações sem jurisdição ou aprovação diplomática. 

A batida dos federais nos EUA foi a primeira ação destinada a apreensão de um dos postos avançados chineses de que se tem registro. Até agora, nenhum outro país do mundo apresentou qualquer acusação conhecida contra tais operações. 

A investigação segue o relatório mais amplo da Safeguard Defenders sobre o crescente uso de mecanismos extrajudiciais ilegais para devolver indivíduos à China contra sua vontade, exercendo várias formas de pressão, muitas vezes envolvendo o uso de ameaças e assédio contra membros da família em casa ou diretamente contra o indivíduo visado no exterior.

Na semana passada, a Embaixada da China em Washington minimizou o papel dos postos avançados, e reforçou a justificativa de que eles fornecem serviços genuínos à comunidade a partir do trabalho de voluntários. Entre eles, renovar carteiras de motorista, por exemplo.

A representação diplomática chinesa acrescentou que esses locais não funcionam como delegacias de polícia. “Eles não são policiais”, disse o porta-voz da embaixada, Liu Pengyu. “Não há necessidade de deixar as pessoas nervosas com isso”.

No entanto, conteúdo online da mídia estatal chinesa que aborda a natureza desses postos, analisado ​​​​pelo The New York Times, descreve as operações de maneira muito diferente. Inclusive cita a polícia e as autoridades chinesas pelo nome. Alguns desses artigos foram excluídos recentemente após autoridades ocidentais e grupos de direitos humanos chamarem a atenção para o trabalho policial conduzido nesses centros.

Segundo outras reportagens da mídia chinesa verificadas, esses postos de serviço policial no exterior, criados por pelo menos dois departamentos de segurança pública das províncias de Fuzhou, Qingtian, Nantong e Wenzhou em países ao redor do mundo, tem aparente cooperação estreita com o Departamento de Trabalho da Frente Unida do PCC (Partido Comunista Chinês). As tarefas incluem “reprimir resolutamente todos os tipos de atividades ilegais e criminosas relacionadas à China no exterior”.

Um artigo publicado por um órgão do PCC na província de Jiangsu trouxe indícios da ação policial chinesa no exterior ao informar que os centros avançados de Nantong ajudaram a capturar e persuadir mais de 80 suspeitos de crimes a retornar à China desde fevereiro de 2016.

Já uma outra agência estatal de notícias chinesa relatou que os centros de polícia no exterior de Qingtian “coletaram informações sobre a opinião pública e o sentimento dos chineses que vivem no exterior”.

O esforço de Beijing mais conhecido nesse sentido é a Operação Fox Hunt, na qual autoridades chinesas caçam fugitivos no exterior e os pressionam a voltar para casa.

“É extremamente preocupante do ponto de vista dos direitos humanos. Estamos essencialmente permitindo que a diáspora chinesa seja controlada pela República Popular da China em vez de sujeita às nossas leis nacionais”, disse Igor Merheim-Eyre, conselheiro de um membro eslovaco do Parlamento Europeu. 

Ele acrescentou: “Isso obviamente tem um enorme impacto. Não apenas em nossas relações com a diáspora chinesa em toda a Europa, mas também tem enormes implicações para a soberania nacional”.

Operações irregulares

O trabalho policial no exterior não é ilegal. O FBI, por exemplo, envia agentes para fora dos EUA. No entanto, eles normalmente se declaram ao governo estrangeiro e atuam junto às embaixadas americanas. Para desempenhar funções de aplicação da lei, é necessária permissão das autoridades locais. 

A China inclusive fez arranjos semelhantes para patrulhas conjuntas em lugares como a Itália, um destino popular para turistas chineses, detalha a reportagem. Roma disse antes da mudança de governo no país que a estação chinesa no país “não é uma preocupação particular”. Entretanto, há imagens que mostram agentes de polícia da capital na inauguração do centro na cidade, em 2018.

“É escandaloso que a China pense que pode chegar às nossas costas, realizar operações ilegais e submeter as pessoas aqui nos Estados Unidos à sua vontade”, disse o diretor do FBI, Christopher Wray, em 2020 depois que as autoridades acusaram outras oito pessoas de fazer parte da Fox Hunt.

Beijing também impõe vigilância estatal e persegue grupos étnicos no exterior, incluindo tibetanos e a minoria muçulmana uigur na Turquia, bem como suas famílias. Grupos de direitos humanos e governos temem que centros avançados de polícia possam executar esse tipo de operação.

Sob pressão

Na maioria dos casos, esses “centros de serviços” somente operam um sistema online que coloca o cidadão chinês em contato com as autoridades na China. Porém, há casos registrados de envolvimento ativo das estações no rastreamento e na perseguição de alvos em países estrangeiros. Os indivíduos são muitas vezes convencidos, sob pressão, a retornar ao território chinês para enfrentar a justiça local.

Dados da ONG apontam que, entre abril de 2021 e julho de 2022, 230 mil chineses “foram devolvidos para enfrentar possíveis acusações criminais na China por meio desses métodos, que geralmente incluem ameaças e assédio contra membros da família em casa ou diretamente contra o alvo no exterior, seja por meio online ou físico”. Para todos os efeitos, o governo chinês alega que os repatriados são acusados de algum crime.

Dois “centros de serviço” chineses operam o Brasil, sendo um em São Paulo e o outro no Rio de Janeiro. Entretanto, a Safeguard Defenders afirma que não há registro de assédio contra chineses nessas estações, que aparentemente vêm sendo usadas somente para dar apoio administrativo a turistas e imigrantes.

A Referência tentou contato com o Itamaraty e com a Embaixada da China no Brasil para tratar da questão, mas não obteve resposta. 

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