Analistas previram que Putin eliminaria Prigozhin, morto em um misterioso desastre aéreo na Rússia

Chefe do Wagner Group e líder de um motim contra o presidente, o empresário estava em um avião que caiu no norte do país nesta quarta-feira

“Putin fará tudo o que puder para [Evgeny] Prigozhin desaparecer antes de março do próximo ano.” A afirmação, feita em junho deste ano pelo ex-agente da KGB Sergei Zhirnov, jamais soou como uma premonição. Qualquer pessoa familiarizada com as ações do governo russo sob a liderança de Vladimir Putin poderia fazer projeção semelhante. E ela se confirmou nesta quarta-feira (23), quando o empresário, chefe do Wagner Group e líder do motim ocorrido na Rússia há exatos dois meses, morreu em um desastre aéreo cercado de mistério no norte do país, segundo informou a organização mercenária em sua conta no Telegram.

Embora não tenha oficializado a morte de Prigozhin, a agência estatal russa Tass noticiou que o nome dele consta da lista de passageiros de um jato executivo produzido pela brasileira Embraer que caiu nas proximidades da cidade de Tver, no norte do território russo. As dez pessoas a bordo, sete passageiros e três tripulantes, morreram, de acordo com o veículo de imprensa.

“Foi iniciada uma investigação sobre a queda do avião da Embraer que aconteceu na região de Tver nesta noite (pelo horário local, tarde no Brasil). De acordo com a lista de passageiros, o nome e o sobrenome de Evgeny Prigozhin foram incluídos nesta lista”, diz comunicado da Agência Federal de Transporte Aéreo da Rússia (Rosaviatsiya).

Putin (esq.) e Prigozhin: relação está estremecida (Foto: Wikimedia Commons)

Prigozhin entrou em rota de colisão com o Kremlin conforme a guerra da Ucrânia avançava sem um desfecho positivo para Moscou no horizonte. Ele se tornou um dos mais vorazes críticos das forças armadas do país, tendo como alvos preferenciais o ministro da Defesa, Sergei Shoigu, e o chefe do Estado-Maior, Valery Gerasimov.

A dupla foi inclusive acusada de mentir para o presidente, supostamente repassando a ele informações falsamente positivas sobre o desempenho das forças russas. “Shoigu e Gerasimov têm uma abordagem simples: uma mentira precisa ser monstruosa para ser acreditada. Isso é o que eles fazem”, disse. As críticas, porém, sempre respingaram em Putin.

Escondido atrás do poderoso Wagner Group, organização paramilitar privada que ele ajudou a fundar e que se tornou tão poderosa militarmente quanto as forças armadas regulares russas, o empresário parecia confortável inclusive para lançar ofensas dirigidas ao próprio Putin, algo impensável para praticamente todos os demais cidadãos russos ante à dura repressão estatal.

Em um vídeo publicado em seu movimentado canal no Telegram, por ocasião do feriado russo de 9 de maio, Prigozhin jogou no ar uma pergunta cuja interpretação não deu muita margem a dúvida: “E se o avô for um verdadeiro idiota?”, declarou ele nas imagens, referindo-se provavelmente a Putin.

O posicionamento crítico de Prigozhin o afastou totalmente do líder, de quem antes era um importante aliado. No início da parceria, o empresário chegou a ganhar o apelido de “chef de Putin”, pelos contratos de fornecimento de alimentação ao governo russo que o enriqueceram.

O motim do Wagner Group, em junho, marcou a ruptura definitiva entre os antigos parceiros. Entre 23 e 24 de junho, os mercenários avançaram Rússia adentro rumo a Moscou, na maior ameaça ao poder do presidente desde que ele assumiu o poder há 23 anos.

A rebelião só terminou sob a mediação de Alexander Lukashenko, presidente de Belarus, que negociou uma punição surpreendentemente branda para o empresário. Ele acabou perdoado sob a promessa de que deixaria a Rússia para se exilar no território belarusso.

A partir dali, Prigozhin assumiu o papel de maior rival do presidente, na avaliação de Sergei Zhirnov. E a vida dele passou a valer pouco. Em entrevista ao jornal espanhol La Vanguardia, o ex-KGB disse ainda que o chefe do Wagner Group havia se tornado “o inimigo mais perigoso” do presidente da Rússia”, daí a possibilidade de “ser eliminado, principalmente agora, porque tentou derrubar Putin”.

A jornalista Candace Rondeaux já havia alertado para a ameaça à vida do empresário em artigo do início de março publicado pela rede CNN, antes mesmo do motim. Segundo ela, Pirgozhin era “alternadamente falado como um rival em potencial do presidente da Rússia, Vladimir Putin, ou um alvo de assassinato.”

A projeção foi compartilhada por Vlad Mykhnenko, especialista na transformação pós-comunista da Europa Oriental e da ex-União Soviética, da Universidade de Oxford, no Reino Unido. “Apostaria em Prigozhin sendo encontrado morto em um ‘suicídio’ encenado pelo Estado russo, com uma pistola na mão e uma nota de suicídio ridícula”, disse ele.

O especialista até sugeriu um roteiro alternativo, digno de filme de espionagem e que se aproxima do desfecho real. Esse, sim, quase premonitório. “Moscou também poderia fornecer à Ucrânia a geolocalização precisa de Prigozhin dentro de um alcance de foguete Himars de 70 quilômetros para acabar com ele e fornecer um ‘heroico’ impulso de recrutamento de propaganda para o ‘novo’ emasculado Wagner.”

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