Rússia trata flores como armas e prende mais de 200 pessoas após a morte de Alexei Navalny

Cidadãos que prestaram homenagem ao maior rival de Putin foram fotografados ou presos, com buquês retirados de monumentos

A morte de Alexei Navalny em um gelado presídio no Ártico, anunciada sexta-feira (16) pelo FSIN (Serviço Penitenciário Federal, da sigla em russo), levou muitos russos às ruas para prestar silenciosas homenagens ao maior rival doméstico do presidente Vladimir Putin. Em resposta, o governo endureceu a repressão, removeu flores de monumentos e prendeu mais de 200 pessoas em todo o país.

De acordo com o site OVD-Info, que monitora a repressão estatal na Rússia, até a manhã deste sábado (17), pelo horário brasileiro, 212 pessoas haviam sido detidas em virtude de manifestações em memória de Navalny em 21 cidades. Além que efetuar prisões, relatos de veículos jornalísticos independentes indicam que outra prioridade das autoridades era remover as homenagens públicas feitas ao ativista.

A cidade com maior número de prisões registradas, 69, é São Petesburgo, justamente onde nasceu o presidente Putin. Já na capital Moscou, segundo o balanço mais recente do OVD-Info, foram efetuadas 11 detenções.

Navalny em manifestação contra o Kremlin em Moscou, junho de 2013 (Foto: Divulgação/Bogomolov.PL)

“As autoridades destroem memoriais. Isso é feito pela própria polícia ou por desconhecidos à paisana, e contra eles as forças de segurança não atuam”, relatou o site Important Stories, acrescentando que as flores depositadas em diversos monumentos foram especialmente visadas.

Aqueles que conseguiram depositar suas flores e escaparam das garras da polícia podem enfrentar problemas futuros. Em diversos locais, pessoas vestidas com roupas civis fizeram fotos dos manifestantes, indício de que os denunciarão às autoridades.

Na cidade de Novosibirsk, um importante centro industrial na Sibéria, as forças de segurança se anteciparam e fecharam o acesso a um monumento em homenagem a vítimas da repressão nos tempos de União Soviética. Por lá, pessoas que transitavam carregando flores foram presas mesmo que não tenham tentado depositá-las em espaços públicos.

De acordo com o jornal The Moscow Times, houve uma convocação na internet para uma grande manifestação em Moscou em homenagem a Navalny. As força de segurança tomaram conhecimento do movimento e alertaram os cidadãos para que não comparecessem.

Ainda assim, o jornal Kommersant, através de sua conta no Telegram, afirmou que mais de mil pessoas passaram por um monumento de pedra na praça Lubyanka para depositar flores e pedaços de papel com mensagens para Navalny.

Protestos seguros em memória do ativista morto ocorreram somente no exterior. A rede Radio Free Europe (RFE) divulgou um vídeo com cenas de pessoas reunidas em frente a diversas embaixadas russas, com flores, velas e cartazes.

Manifestações foram registradas inclusive na Sérvia, um aliado da Rússia. Também foram coletadas imagens de protestos na Geórgia e na República Tcheca, cujos governos se opõem fortemente a Putin, e na Armênia, um antigo aliado que tem se afastado cada vez mais de Moscou.

Protestos criativos

Na Rússia, protestar em público já não era uma tarefa fácil antes da eclosão da guerra na Ucrânia. Os protestos coletivos desapareceram das ruas a partir do momento em que a Justiça local passou a usar a pandemia de Covid-19 como pretexto para punir grandes manifestações, alegando que o acúmulo de pessoas feria as normas sanitárias.

Em um primeiro momento, era comum ver um ativista solitário erguendo seu cartaz com palavras contra o governo, uma forma de driblar o veto a protestos coletivos. Com o tempo, entretanto, mesmo essas cenas desapareceram. Os manifestantes mais ativos foram presos, e aqueles que seguem em liberdade não conseguem enfrentar o Kremlin.

Quando vivo, o próprio Navalny, consciente do desafio que se tornou ir às ruas para protestar, pensava em alternativas. No dia 1º de fevereiro, ele usou as rede sociais para sugerir aos russos dispostos a contestar Putin que aparecessem para votar nas eleições presidenciais deste ano em um mesmo horário, meio-dia, no terceiro e último dia de votação.

Segundo Navalny, simplesmente ir às urnas e depositar votos contra o presidente não terá efeito prático, sob o argumento de que o pleito é fraudulento e será vencido por Putin de qualquer forma. Já a iniciativa de ir aos locais de votação em um mesmo horário, ainda que sem expor qualquer símbolo ou mensagem, seria uma forma de protestar em silêncio e deixar isso registrado. Ainda dificultaria a resposta das forças de segurança.

“Esta ação de protesto é totalmente legal e segura”, afirmou o oposicionista na ocasião, lembrando que as próprias autoridades russas incentivam a presença de eleitores nos locais de votação, uma forma de legitimar a eleição de Putin. Ele disse, ainda, que o horário foi escolhido porque é naturalmente mais movimentado, o que garantiria aos manifestantes uma desculpa caso fossem abordados pela polícia.

“Não há como impedir esta ação. Bem, o que eles podem fazer? Fecharão as assembleias de voto ao meio-dia? Organizarão uma ação em apoio a Putin às 10h? Eles registrarão todos que compareceram ao meio-dia e os colocarão na lista de pessoas não confiáveis?”, questionou Navalny em uma de suas últimas postagens antes de morrer.

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