Sob forte policiamento, milhares homenageiam Navalny em funeral em Moscou

Apoiadores do principal adversário político de Putin desafiaram as ameaças do governo, que prometeu punir manifestantes com prisões

O homem que peitou Vladimir Putin está literalmente “morto e enterrado”. Desafiando a repressão do Kremlin e suas ameaças de prisão, uma multidão se reuniu em Moscou nesta sexta-feira (1º) para prestar uma última homenagem a Alexei Navalny, líder da oposição russa, morto há duas semanas no cárcere, aos 47 anos.

Com gritos de “Putin é um assassino” e “Não à guerra”, os manifestantes caminharam em meio a uma forte presença policial em direção ao cemitério Borisovsky, onde o corpo do ativista foi sepultado ao som da música ‘My Way’, de Frank Sinatra.

O grande apoio público transformou a despedida de Navalny em um ato de resistência incomum na Rússia, num momento de repressão sufocante, segundo informações do jornal The Guardian.

No último dia 16, Navalny morreu após “se sentir mal” e desmaiar quando caminhava no pátio da colônia penal IK-3, localizada cerca de 1,9 mil quilômetros a leste de Moscou. Ele cumpria pena de 30 anos de prisão em um centro de detenção no Ártico e com frequência reclamava do tratamento que recebia no cárcere, alegando inclusive que sua saúde estava debilitada por isso.

Homenagem da comunidade diplomática de Genebra prestada nesta sexta-feira (Foto: United States Mission Geneva/Flickr)

A mãe de Navalny, Lyudmila, que passou mais de uma semana na gelada região do norte da Rússia para retirar o corpo do filho da prisão, e o pai dele, Anatoly, estavam entre os poucos presentes na cerimônia na igreja antes do enterro.

Após uma breve procissão religiosa, o caixão de Navalny foi levado ao cemitério, não muito longe de onde o ativista viveu. Vídeos do funeral mostram sua mãe dando-lhe um último beijo antes de seu rosto ser coberto por um pano branco.

Muitos entes queridos de Navalny não puderam estar presentes. Sua esposa, Yulia Navalnaya, filhos e irmão, todos vivendo fora da Rússia, arriscariam acabar na prisão se voltassem. Seus aliados mais próximos, também forçados a deixar o país, estão na lista de procurados de Moscou e enfrentariam longas penas se retornassem para dar um adeus. O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse não ter nada a dizer à família de Navalny.

Apesar do reforço das forças de segurança durante a despedida, houve pouca intervenção. Relatórios do site OVD-Info, que monitora a repressão no país, contabilizaram seis detenções em Moscou e pelo menos 39 em outras partes do país. Segundo a agência Reuters, muitos expressaram coragem e determinação. Uma jovem na multidão afirmou: “Viemos honrar a memória de um homem destemido.” Outro manifestante, Kirill, de 25 anos, expressou tristeza pelo futuro da Rússia, mas reafirmou a “esperança em um futuro melhor”.

As manifestações públicas na Rússia são arriscadas e raras, especialmente desde o início da guerra na Ucrânia. Nos últimos dois anos, mais de 20 mil pessoas foram detidas em meio a protestos. A morte de Navalny deixa a oposição russa ainda mais frágil, com Putin se preparando para estender seu governo por mais seis anos em uma eleição neste mês. Todos os principais críticos do presidente estão presos ou no exílio, causando desalento naqueles que desejam a democracia.

A cobertura da mídia estatal sobre o funeral de Navalny foi discreta. A agência RIA reportou o evento, mencionando a presença de diplomatas estrangeiros e destacando as acusações criminais contra o ativista. Navalny sempre negou veementemente as acusações, afirmando que eram fabricadas para silenciar suas críticas ao governo de Putin.

Nesta sexta, representantes da comunidade diplomática de Genebra se reuniram para prestar homenagens a Navalny e mostrar solidariedade aos mais de 670 presos políticos detidos pelas autoridades russas. Durante o funeral em Moscou, eles realizaram um momento de silêncio e colocaram flores nos jardins próximos ao Escritório da Organização das Nações Unidas (ONU).

Quem foi Alexei Navalny

Navalny ganhou destaque ao organizar manifestações e concorrer a cargos públicos na Rússia. A rede dele chegou a ter 50 sedes regionais em toda a Rússia e, entre outras ações, denunciava casos de corrupção envolvendo o governo Putin e figuras importantes ligadas a ele. Isso levou o Kremlin a agir judicialmente para proibir a atuação do opositor, que então passou a ser perseguido.

Em agosto de 2020, durante viagem à Sibéria, Navalny foi envenenado e passou meses se recuperando em Berlim. Ele voltou a Moscou em 17 de janeiro de 2021 e foi detido no aeroporto. Um mês depois, foi julgado e condenado por violar uma sentença suspensa de 2014, sob acusação de fraude. Promotores alegaram que ele não se apresentou regularmente à polícia em 2020, justamente quando estava em coma pela dose tóxica.

Encarcerado em uma colônia penal de alta segurança, ele chegou a fazer uma greve de fome de 23 dias em abril, para protestar contra a falta de atendimento médico. Depois, em junho daquele ano, um tribunal russo proibiu os escritórios regionais de Navalny e sua Fundação Anticorrupção (FBK) de funcionarem, classificando-os como “extremistas”.

Após a morte, retomou-se o debate sobre o retorno dele à Rússia, mesmo sabendo que seria preso e possivelmente morto pelo regime. A mulher dele, Yulia Navalnaya, disse que Navalny não pôde optar por uma vida tranquila no exílio porque “amava profundamente” a Rússia e acreditava no potencial do povo russo para um futuro melhor. Alegou ainda que o marido não apenas expressava essas convicções, mas as vivia intensamente, estando até mesmo disposto a sacrificar sua vida por elas.

Quando morreu, ele cumpria pena de 30 anos de prisão por acusações diversas, que vão desde fraude até extremismo, esta a mais grave. Ele sempre alegou que as acusações eram politicamente motivadas, uma forma de conter suas ações em oposição a Putin.

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