Processos criminais contra ‘agentes estrangeiros’ na Rússia mais que dobraram em 2023

Foram registradas 86 ações penais do gênero no ano passado, contra 38 de 2022. Sentenças chegam a 25 anos de prisão

A Rússia registrou no ano passado 86 processos criminais contra cidadãos rotulados como “agentes estrangeiros”, um aumento de mais de duas vezes em relação aos casos dos dois anos anteriores. Os dados foram compilados pelo site investigativo Verstka e expõem o aumento da repressão, conforme o presidente Vladimir Putin caminha para mais um mandato à frente do país.

O levantamento aponta que 406 pessoas foram rotuladas como “agentes estrangeiros” em 2023, sendo que 86 delas foram efetivamente alvo de uma ação criminal. Destas, há uma que sequer foi processada na Rússia, e sim no Cazaquistão.

A comparação com os anos anteriores evidencia o aumento da perseguição política. Em 2022, 38 processos criminais foram abertos, sendo que 209 pessoas haviam sido listadas, o que equivale a 18% dos casos. Em 2023 esse número saltou para 21,2%, com 86 ações judiciais num universo de 406 “agentes estrangeiros”.

Homem é arrastado pela polícia em Moscou em março de 2022 (Foto: Avtozak LIVE/Reprodução Telegram)

Organizações não governamentais, veículos de imprensa e os colaboradores de ambos têm sido o maior alvo da repressão, que tem o respaldo do Judiciário russo. A “lei do agente estrangeiro” foi aprovada em 2012 e modificada várias vezes, dando às autoridades o poder de acessar todas as informações privadas das instituições e indivíduos rotulados.

A lei determina que as entidades rotulem todo conteúdo que publicam como tendo sido redigido por um “agente estrangeiro”, o que acaba por afastar potenciais parceiros e anunciantes. Organizações que não cumprem a ordem podem ser forçadas a fechar, como ocorreu com o site jornalísticos VTimes. Outros, como o Meduza.io, evitaram o fechamento através de esforços de crowdfunding.

E a situação tende ficar ainda pior. Segundo o jornal The Moscow Times, uma lei aprovada na quarta-feira (28) pela Duma, a câmara baixa do parlamento, proíbe expressamente que empresas façam publicidade em veículos rotulados como “agentes estrangeiros”.

Órgãos e indivíduos listados e que não atendam às exigências impostas estão sujeitos a penas de prisão, de acordo com o código penal russo, e as organizações podem ser proibidas de funcionar. Tal sistema repressivo tem sido a principal arma do Kremlin para calar os críticos, levando a ordens de prisão, casos de exílio forçado e ao fechamento de entidades.

A maioria dos casos esta relacionada a críticas às Força Armadas, de acordo com o Verstka. Em segundo lugar aparecem ações movidas sob a acusação de formação de uma organização extremista, com “terrorismo” em terceiro.

Penas de prisão

Dos 86 acusados, apenas dez foram presos, com os outros 76 figurando na lista de procurados. Foram emitidas 14 sentenças até agora, dez delas à revelia. Um acusado julgado e sentenciado presencialmente é Oleg Orlov, copresidente da ONG Memorial, a mais antiga organização ligada aos direitos civis do país e que estava em funcionamento desde os tempos da antiga União Soviética. 

A ONG foi liquidada pela Suprema Corte no final de 2021 sob a acusação de violar as exigências “da lei do agente estrangeiro”. Já Orlov foi julgado e condenado na terça-feira (27) a dois anos e meio de prisão sob a acusação de “desacreditar as Forças Armadas”, por ter se posicionado contra a guerra desencadeada pela Rússia na Ucrânia.

O jornalista Vladimir Kara-Murza foi igualmente preso, julgado e condenado presencialmente. Ele recebeu uma sentença de 25 anos de prisão por traição no início de 2023, acusado de disseminar “informações falsas” sobre as Forças Armadas e de manter conexões com uma “organização indesejável”. O julgamento foi realizado a portas fechadas.

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