Wikipédia recorre de decisão da Justiça russa de remover informações sobre a guerra

Wikimedia Foundation recebeu multa de cerca de 449 mil reais por se recusar a excluir conteúdo sobre as ações das tropas de Putin, como o massacre de Bucha

A proprietária da Wikipédia entrou com um recurso contra uma decisão da Justiça russa que exige a remoção de conteúdo relacionado à guerra na Ucrânia. A justificativa da Wikimedia Foundation, multada em 5 milhões de rublos (cerca de R$ 449 mil) por um tribunal de Moscou, é a de que as pessoas têm o direito de saber sobre os fatos que envolvem a invasão do exército de Vladimir Putin. As informações são do portal Swissinfo.

O tribunal classifica como “desinformação” artigos da Wikipédia em russo sobre o conflito, incluindo “A invasão russa da Ucrânia”, “Crimes de guerra durante a invasão russa da Ucrânia” e “Massacre em Bucha”.

“Esta decisão implica que o conhecimento verificado e bem fornecido na Wikipédia, que é inconsistente com as contas do governo russo, constitui desinformação”, disse em comunicado Stephen LaPorte, conselheiro geral associado da Wikimedia Foundation.

Artigos da Wikipédia são escritos e editados por voluntários (Foto: Wikimedia Finland/Flickr)

Desde que a censura russa entrou em ação no começo de março, impondo bloqueio parcial do acesso ao Facebook, ao Twitter e a diversos sites informativos locais e estrangeiros no país, a Wikipédia virou uma espécie de “resistência”. Nela, os russos podem acessar informações sobre a guerra sem influência da mídia estatal.

“O governo está direcionando informações vitais para a vida das pessoas em tempos de crise”, acrescentou LaPorte. “Pedimos ao tribunal que reconsidere em favor dos direitos de todos ao acesso ao conhecimento e à liberdade de expressão”.

Em maio o presidente Putin pediu aos russos que não confiem na Wikipédia, numa campanha do Kremlin contra a enciclopédia online coordenada desde que a plataforma se negou a remover conteúdo relacionado à “operação militar especial”, eufemismo adotado pelo Kremlin para se referir à guerra.

A Justiça local alega que as informações que constam na plataforma representam “um risco para a ordem pública na Rússia” e que a Fundação, que tem sede em São Francisco, na Califórnia, estava operando dentro do país.

O caso foi apresentado pelo Roskomnadzor, órgão regulador de internet e dos meios de comunicação do país, que não respondeu a um pedido de comentário.

O recurso da Wikipédia, apresentado no dia 6 de junho, teve detalhes divulgados nesta segunda-feira (13). Segundo a defesa, a remoção de informações representa uma violação dos direitos humanos.

Por que isso importa?

Organizações não-governamentais, veículos de imprensa e os colaboradores de ambos têm sido o principal alvo da repressão do presidente Vladimir Putin, com o respaldo da Justiça do país. A perseguição se escora na “lei do agente estrangeiro”, que foi aprovada em 2012 e modificada diversas vezes, dando às autoridades o poder de acessar todas as informações privadas das instituições e indivíduos rotulados.

A designação “agente estrangeiro” carrega conotações negativas da era soviética e serve para rotular o que seriam organizações envolvidas em atividades políticas financiadas pelo exterior. Entidades listadas também são obrigadas a rotular com o selo de “agente estrangeiro” todo conteúdo que venham a divulgar, algo que afeta particularmente as organizações de mídia.

Órgãos e indivíduos que não atendam às exigências impostas pela lei podem pegar pena de até dois anos de prisão, de acordo com o código penal russo, e as organizações podem ser proibidas de funcionar. A classificação também afasta potenciais parceiros comerciais e anunciantes, muitas vezes sufocando financeiramente as instituições listadas.

Tal sistema repressivo tem sido a principal arma do Kremlin para calar os críticos, levando a ordens de prisão, casos de exílio forçado e ao fechamento de entidades.

censura na Rússia, que já era forte antes da invasão da Ucrânia por tropas russas, tem se intensificado durante a guerra. Em março, o Legislativo aprovou um projeto de lei que criminaliza a distribuição do que o governo vier a considerar “notícias falsas” sobre operações militares russas.

De acordo com o texto legal, passa a ser proibido publicar conteúdo “contra o uso de tropas russas para proteger os interesses da Rússia” ou “para desacreditar tal uso”, o que prevê uma pena de até três anos de prisão. A mesma punição se aplica àqueles que venham a pedir sanções ao país.

Em certos casos, o artigo prevê pena máxima de até dez anos de prisão, mas pode haver agravantes que venham a aumentar a sentença. Nos casos que a Justiça considere terem gerado “consequências sérias”, a punição sobe para até 15 anos. As nova lei será inserida em um artigo separado no Código Penal russo.

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