Anistia Internacional divulga nota de repúdio após execução pública pelo Taleban

Condenado por assassinato, Taj Mir foi morto em um estádio esportivo lotado, com a presença de importantes figuras do grupo radical

A ONG Anistia Internacional divulgou uma nota de repúdio, na quarta-feira (7), referente à execução pública conduzida pelo Taleban no Afeganistão no mesmo dia. Foi o primeiro episódio do gênero registrado no país desde que os radicais retomaram o poder, em agosto de 2021.

“O lamentável retorno das execuções públicas no Afeganistão é a última fase do alarmante abuso dos direitos humanos pelo Taleban no país. Eles continuam a desrespeitar flagrantemente os princípios dos direitos humanos com total desrespeito pelo direito internacional”, disse Dinushika Dissanayake, vice-diretor regional da Anistia Internacional para o Sul da Ásia.

O condenado, identificado como Taj Mir, foi morto em um estádio esportivo lotado na província de Farah. Ele foi julgado pelo tribunal talibã e condenado por assassinato, segundo declaração emitida pelo próprio grupo radical que governa o Afeganistão.

“De acordo com especialistas em direitos humanos da ONU, as execuções em público não servem a nenhum propósito legítimo e apenas aumentam a natureza cruel, desumana e degradante dessa punição”, disse a Anistia.

Entre as centenas de pessoas que acompanharam a execução estavam muitas autoridades talibãs, como Sirajuddin Haqqani, ministro do Interior talibã. Figura proeminente do atual governo talibã, ele é também um dos terroristas mais procurados do mundo, com recompensa de US$ 10 milhões oferecida pelo Departamento de Estado norte-americano.

“Realizar execuções em público aumenta a natureza já cruel, desumana e degradante da pena de morte e só pode ter um efeito desumanizador para a vítima e um efeito brutal para aqueles que testemunham a execução”, afirmou Dissanayake. “Tais exibições públicas de matança perpetuam uma cultura de aceitação da violência, ao invés de uma crença na justiça”.

Talibãs depois de se entregarem a forças de segurança afegãs, em 2010 (Foto: Aslan Media/Flickr)
Práticas bárbaras

Assim como no antigo governo talibã, entre 1996 e 2001, o destino de assassinos condenados é morrer com um tiro na cabeça, disparado pela família da vítima. Antes, existia a opção de aceitar “dinheiro de sangue” para salvar o sentenciado, mas não está claro se essa opção se mantém. Já amputações de mão recaem sobre ladrões, enquanto aqueles que praticam assaltos em estradas perdem uma mão e um pé.

Em novembro, outra prática brutal dos talibãs havia sido retomada. Centenas de pessoas se reuniram em um pequeno estádio da província de Logar, a sul de Cabul, para para assistir ao açoitamento de 12 pessoas, três mulheres e nove homens, condenados por crimes como roubo e adultério.

Antes, em setembro, surgiram denúncias de que talibãs executaram sumariamente 27 rebeldes de um grupo de resistência do vale do Panjshir. Um vídeo com imagens das execuções de cinco rebeldes veio a público.

Na ocasião, Richard Bennett, relator especial da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre a situação dos direitos humanos no Afeganistão, se disse “profundamente preocupado” após tomar conhecimento do ocorrido.

Josep Borrell, chefe da diplomacia da União Europeia (UE), alertou que tais medidas radicais acabam por isolar o Afeganistão do resto do mundo. “Compreensivelmente, nenhum governo, nem mesmo Paquistão ou Catar, reconhece oficialmente o Taleban. Enquanto isso, o povo afegão paga um alto preço pelo isolamento de seu país: os níveis de ajuda humanitária são minúsculos em comparação com as necessidades”.

Por que isso importa?

Desde que chegou ao poder, o Taleban busca reconhecimento global como governo de direito do Afeganistão. Trata-se de uma necessidade urgente, pois fortaleceria financeiramente um país pobre e sem perspectiva imediata de gerar riqueza. O Afeganistão tem bilhões de dólares em fundos congelados em bancos dos EUA, da Europa e do Oriente Médio.

Enquanto o reconhecimento não ocorre, o país continua marginalizado da comunidade internacional. E a razão para o isolamento global do Afeganistão é justamente o radicalismo dos talibãs, que desde a retomada de poder trouxeram de volta punições bárbaras, como o açoitamento e amputações de membros, e impuseram uma dura repressão às mulheres.

Desde a ascensão do Taleban, em agosto do ano passado, as mulheres que tinham cargos no governo afegão foram impedidas de trabalhar, e a cúpula do governo que prometia ser inclusiva é formada somente por homens. A perda do salário por parte de muitas mulheres que sustentavam suas casas tem contribuído para o empobrecimento da população afegã.

Na educação, o governo extremista mantém fora da escola cerca de três milhões de meninas acima da sexta série, sob o argumento de que as escolas só serão reabertas quando os radicais tiverem a certeza de um “ambiente seguro”.

Mulheres também não podem sair de casa desacompanhadas, e há relatos de solteiras e viúvas forçadas a se casar com combatentes. Para lembrar as afegãs de suas obrigações, os militantes ergueram cartazes em algumas áreas para informar os moradores sobre as regras. Em partes do país, as lojas estão proibidas de vender mercadorias a mulheres sozinhas.

Há também um código de vestimenta para as mulheres, forçadas a usar o hijab quando estão em público. Como forma de protestar, mulheres afegãs em todo o mundo iniciaram um movimento online, postando fotos nas redes sociais com tradicionais roupas afegãs coloridas, sempre acompanhadas de hashtags como #AfghanistanCulture (cultura afegã) e #DoNotTouchMyClothes (não toque nas minhas roupas).

Tags: