Vídeo mostra supostas execuções sumárias feitas pelo Taleban e gera reação da ONU

Vítimas seriam membros da Frente de Resistência Nacional, grupo rebelde de resistência aos talibãs que opera no vale do Panjshir

A ONU (Organização das Nações Unidas) manifestou “grave preocupação” após a divulgação de um vídeo que supostamente mostra combatentes do Taleban executando sumariamente um grupo de rebeldes na região do vale do Panjshir, no Afeganistão.

Richard Bennett, relator especial da ONU sobre a situação dos direitos humanos no Afeganistão, usou sua conta do Twitter para comentar o caso.

“Profundamente preocupado com as últimas alegações de execuções sumárias extrajudiciais em Panjshir. Lembrando as obrigações internacionais de direitos humanos de todas as partes, peço uma investigação completa imediata e que os perpetradores sejam responsabilizados. Estou acompanhando de perto a situação”, disse ele.

As imagens exibem o que seriam integrantes da milícia NRF (Frente de Resistência Nacional, da sigla em inglês), grupo que faz resistência aos talibãs e que opera sobretudo nas províncias de Panjshir e Baghlan, no nordeste do país. Os homens aparecem ajoelhados, com as mãos amarradas atrás do corpo, e são mortos com tiros de rifles automáticos, segundo a rede Gandhara.

A gravação se sucedeu a um confronto entre talibãs e rebeldes no ocorrido no início da semana. O próprio Taleban disse na ocasião que 40 combatentes da NRF teriam sido mortos na troca de tiros, sem qualquer menção às execuções.

Sibghatullah Ahmadi, porta-voz da milícia, também usou sua conta no Twitter para comentar o caso. Em uma sequência de posts, ele disse que “não existe prova mais crível que o próprio Taleban compartilhar vídeos de prisioneiros de guerra algemados e brutalmente assassinados”. Ele ainda instou a ONU a “cumprir suas obrigações” e condenar os crimes” dos talibãs, “não apenas estar preocupada”.

Sibghatullah Ahmadi, porta-voz da NRF, chamou os assassinatos de “crimes de guerra” e instou a Missão da ONU no Afeganistão (UNAMA) a “cumprir suas obrigações de não apenas estar ‘preocupada’, mas também ganhar a coragem de nomear o Talibã, condenar seus crimes e pedir ao Conselho de Segurança da ONU que tome medidas imediatas”.
Vale do Panjshir, no Afeganistão, área de atuação da milícia NRF (Foto: Wikimedia Commons)
Por que isso importa?

Nas últimas semanas, o Taleban entrou na mira da ONU e de entidades humanitárias globais por sua inabilidade de governar o Afeganistão e pela dura repressão que impõe sobretudo às mulheres e meninas afegãs.

Na abertura da 51ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, na segunda-feira (12), mais de 20 governos e entidades condenaram a repressão de gênero no Afeganistão. As críticas globais foram motivadas sobretudo pela a proibição imposta às meninas na educação, com as escolas de ensino médio fechadas e alunas obrigadas a ficar em casa quando deveriam estar estudando.

No final de agosto, Josep Borrell, chefe da diplomacia da União Europeia (UE), também havia condenado a atuação dos radicais como governantes afegãos de fato, pouco depois de eles completarem um ano no poder, no dia 15 do mês passado.

“O Afeganistão pode ter saído das manchetes. No entanto, a situação de seu povo é terrível”, dizia texto, listando ainda abusos cometidos pelos radicais que contrariam a moderação prometida após a tomada de poder. “Todas as meninas, apesar das promessas anteriores, são proibidas de estudar; vastas áreas do país são assoladas pela fome (70% da população); e muitos afegãos vivem com medo ou no exílio”.

Já em setembro, a ONG Human Rights Watch (HRW) publicou relatório destacando a ineficiência dos talibãs em sua obrigação de proteger a população local, especialmente algumas minorias xiitas, das ações violentas do Estado Islâmico-Khorasan (EI-K). O documento foca particularmente no caso dos hazaras.

“Desde a tomada do Taleban, combatentes ligados ao Estado Islâmico cometeram vários ataques brutais contra membros da comunidade hazara enquanto iam para a escola, para o trabalho ou para rezar, sem uma resposta séria das autoridades do Taleban”, disse Fereshta Abbasi, pesquisador da ONG para o Afeganistão. “O Taleban tem a obrigação de proteger as comunidades em risco e ajudar as vítimas de ataques e suas famílias”.

O descaso com a minoria xiita contraria uma das muitas promessas feitas pelo Taleban quando chegou ao poder. “Como governo responsável, somos encarregados de proteger todos os cidadãos do Afeganistão, especialmente as minorias religiosas do país”, disse em outubro de 2021 o porta-voz do Ministério do Interior Saeed Khosty.

A promessa não cumprida chegou a ser citada pelo próprio Richard Bennett, que em maio deste ano pediu investigações sobre os ataques às comunidades hazara, xiita e sufi, destacando que eles estão “se tornando cada vez mais sistemáticos por natureza e refletem elementos de uma política organizacional, trazendo assim marcas de crimes contra a humanidade”.

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