Em áudio vazado, chanceler do Irã diz que Rússia tenta parar ‘negócio nuclear’

Em áudio de três horas, chanceler fala sobre relações "difíceis" com Rússia, EUA e China com franqueza inédita

Um áudio vazado do ministro das Relações Exteriores do Irã, Mohammad Javad Zarif, nesta segunda (26), mostra o chanceler dizendo que a Rússia quer parar o “negócio nuclear” do Irã. A gravação, a qual a agência norte-americana Associated Press teve acesso, tem cerca de três horas.

“Se o Irã não tivesse se tornado a prioridade de [Donald] Trump, a China e a Rússia é que teriam virado prioridade”, diz o chanceler. Conforme Zarif, Moscou quer parar as tratativas nucleares com o Irã – um ponto de extrema sensibilidade que o faz pedir para que o entrevistador “nunca libere” a confissão, diz o áudio.

Seu interlocutor é o economista e jornalista Saeed Leylaz, ex-conselheiro de Mohammad Khatami, clérigo pró-reforma e presidente do Irã por dois mandatos, entre 1997 e 2005. Os trechos foram divulgados pela Iran International, emissora persa sediada em Londres.

Em áudio vazado, chanceler do Irã afirma que Rússia quer parar 'negócio nuclear'
O ministro das Relações Exteriores do Irã, Mohammad Javad Zarif, em fórum diplomático de Teerã, agosto de 2015 (Foto: Divulgação/Mahmoud Hosseini)

Segundo o ministro, Moscou teve um “relacionamento difícil” com ex-presidente norte-americano Barack Obama, que negociou acordo nuclear com Teerã em 2015. Washington deixou o tratado de forma unilateral em 2018 e impôs um pacote extenso de sanções, com o objetivo de causar máxima pressão na economia iraniana. A Rússia e o Irã também têm relações tensas, apesar de serem aliadas na guerra na Síria.

“Se por causa da hostilidade com o Ocidente sempre precisarmos da Rússia e da China, eles não precisam competir com ninguém e também podem sempre desfrutar do máximo de benefícios por nosso intermédio”, afirmou. Tanto Moscou quanto Beijing defendem publicamente o retorno do acordo nuclear.

Candidatura e Guarda Revolucionária

Zarif também fala sobre o major-general Qasem Suleimani, morto em janeiro de 2020 após um ataque de drones dos EUA. Segundo ele, o militar trabalhou para subverter o acordo nuclear em conluio com a Rússia, ao intensificar a intervenção iraniana na Síria.

“Quase todas as vezes que fui negociar, Suleimani disse: quero que você faça esta concessão ou ponto. Eu estava negociando para o sucesso do campo [militar]”, afirmou Zarif. Apesar da aparente frustração, o ministro reconheceu a importância do major, um dos principais arquitetos da estratégia militar do Irã. “Acredito que os EUA, ao atingi-lo, desferiram um golpe ao Irã que não teria sido tão ruim quanto atingir uma de nossas cidades”.

Em certa altura, Leylaz sugere que Zarif concorra a presidente nas eleições de 18 de junho, ideia que o ministro rejeita. O diplomata está em quatro lugar em pesquisas preliminares, empatado com o chefe do Judiciário, o linha-dura Ebrahim Raisi, apontou o diário “The Washington Post”.

Na conversa, o o jornalista também afirma que o governo de Hassan Rouhani não foi informado pela Guarda Revolucionária de que haviam derrubado acidentalmente um voo comercial ucraniano que deixava o aeroporto de Teerã em janeiro de 2020. Todos os 176 passageiros a bordo morreram.

O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores iraniano, Saeed Khatibzadeh, classificou o vazamento como “ilegal”. Segundo ele, a conversa tinha “fins históricos” e um “compromisso mútuo de manter sua confidencialidade”. O vazamento pode interferir nas negociações indiretas para a retomada do acordo nuclear, que acontecem na capital austríaca Viena.

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