Radicalismo do Taleban afugenta casais e esvazia os restaurantes do Afeganistão

Questionados pelos talibãs, homens e mulheres dizem que por isso passaram a sair cada vez menos de casa para comer

Como se não bastasse a miséria em que vive boa parte da população do Afeganistão, que atravessa uma profunda crise econômica, a política repressiva imposta pelo Taleban tem contribuído para afugentar os poucos consumidores ativos, afundando ainda mais o comércio local. Um setor bastante afetado pelo radicalismo dos novos governantes é o de restaurantes, sobretudo aqueles que antes recebiam casais. As informações são da rede Gandhara.

Há cerca de cinco milhões de restaurantes e lojas de fast food em Cabul, a capital afegã, oferecendo tanto opções da gastronomia local quanto internacional. Porém, eles estão cada vez mais vazios. A maioria deles tornou-se inacessível para a população devido à crise. Mas, em muitos casos, consumidores com condições de gastar seu dinheiro decidem ficar em casa, temendo a repressão dos talibãs aos casais que são vistos juntos.

A afegã Maryam Hotak conta que já foi abordada de forma agressiva quando jantava com o marido e, desde então, parou de sair para comer. “Os militantes do Taleban o interrogaram aleatoriamente enquanto comíamos”, disse ela. “Eles perguntaram ao meu marido: ‘Quem é ela e por que você a trouxe aqui?’ Quando dissemos a eles que estávamos casados, eles nos pediram para provar isso”.

Um gerente de restaurante que pediu para se identificado apenas como Idrees, um apelido, confirma essa dura realidade. “Testemunhamos repetidamente que, quando há um casal ou casais sentados juntos, são questionados sobre como estão relacionados”, afirmou. “É por isso que as pessoas estão evitando restaurantes, o que arruinou nossos negócios”.

Mohammad Khan, dono de um restaurante em Cabul, diz que a repressão talibã, aliada ao aumento dos preços dos alimentos, tem comprometido a sobreviência do negócio. “Nós apenas sentamos aqui de manhã até a noite. O negócio é quase zero”, disse.

Cabul, no Afeganistão (Foto: Farid Ershad/Unsplash)

Em Herat, a terceira cidade mais populosa do país, os casais foram inclusive proibidos de comer juntos fora de casa, mesmo em se tratando de marido e mulher. Riazullah Seerat, um funcionário do Ministério para a Promoção da Virtude e Prevenção do Vício do Taleban, confirmou que um aviso formal foi enviado aos restaurantes.

Em Cabul, ao contrário, o governo nega que os casais venham sendo importunados. “Não há nada em nossos princípios que exija que as pessoas sejam questionadas dentro dos restaurantes. Tais alegações nada mais são do que mera propaganda”, disse outro porta-voz do Ministério.

Por que isso importa?

Desde que chegou ao poder, o Taleban busca reconhecimento global como governo de direito do Afeganistão. Trata-se de uma necessidade urgente, pois fortaleceria financeiramente um país pobre e sem perspectiva imediata de gerar riqueza. O Afeganistão tem bilhões de dólares em fundos congelados em bancos dos EUA, da Europa e do Oriente Médio.

Enquanto o reconhecimento não ocorre, o país continua marginalizado da comunidade internacional, sobretudo em razão das acusações de abusos dos direitos humanos e da forte repressão, principalmente contra as mulheres.

Desde a ascensão do Taleban, em agosto do ano passado, as mulheres que tinham cargos no governo afegão foram impedidas de trabalhar, e a cúpula do governo que prometia ser inclusiva é formada somente por homens. A perda do salário por parte de muitas mulheres que sustentavam suas casas tem contribuído para o empobrecimento da população afegã.

Na educação, o governo extremista mantém fora da escola cerca de três milhões de meninas acima da sexta série, sob o argumento de que as escolas só serão reabertas quando os radicais tiverem a certeza de um “ambiente seguro”.

Mulheres também não podem sair de casa desacompanhadas, e há relatos de solteiras e viúvas forçadas a se casar com combatentes. Para lembrar as afegãs de suas obrigações, os militantes ergueram cartazes em algumas áreas para informar os moradores sobre as regras. Em partes do país, as lojas estão proibidas de vender mercadorias a mulheres sozinhas.

Há também um código de vestimenta para as mulheres, forçadas a usar o hijab quando estão em público. Como forma de protestar, mulheres afegãs em todo o mundo iniciaram um movimento online, postando fotos nas redes sociais com tradicionais roupas afegãs coloridas, sempre acompanhadas de hashtags como #AfghanistanCulture (cultura afegã) e #DoNotTouchMyClothes (não toque nas minhas roupas).

Tags: