Taleban enfrenta disputa interna e crise de legitimidade que ameaça o Afeganistão

Rivalidade se intensifica após assassinato de ministro e fuga de alto funcionário, em meio a crise econômica e ameaça terrorista

As tensões dentro do Taleban atingiram um novo patamar, expondo divisões que podem desestabilizar ainda mais o Afeganistão. A morte do ministro Khalil Haqqani, em um atentado suicida em dezembro, acirrou rivalidades entre facções do grupo e levantou suspeitas de que a própria liderança ordenou o ataque. A informação foi divulgada pela rede Radio Free Europe (RFE).

Além disso, a recente fuga de Sher Abbas Stanikzai, vice-ministro das Relações Exteriores, após críticas públicas ao líder supremo Mullah Haibatullah Akhundzada, evidencia uma crise de autoridade. “Se você se desviar até mesmo um passo do caminho de Deus, então você não é mais meu líder, eu não o reconheço”, disse Stanikzai em áudio divulgado no mês passado.

Ele também questionou a proibição da educação feminina, uma das medidas mais impopulares do regime, e mais tarde deixou o país. Oficialmente, Stanikzai alega estar nos Emirados Árabes por questões de saúde, mas fontes indicam que Akhundzada ordenou sua prisão e proibiu sua saída do país.

O clima de instabilidade se reflete também na insatisfação crescente entre membros do Taleban, que reclamam de atrasos no pagamento de salários. A liderança nega qualquer crise interna. “Nunca nos envolveremos em desacordos, não seremos uma fonte de divisão ou tomaremos ações que tragam instabilidade ao país”, disse Zabihullah Mujahid, porta-voz do Taleban, à rede Tolo News. No entanto, integrantes do grupo, sob anonimato, descreveram o cenário como “caótico” e “incerto”.

Abdul Ghani Baradar, cofundador do Taleban (Foto: reprodução/facebook.com/foreignofficepk)

Desde que reassumiu o controle do Afeganistão em 2021, o Taleban vive um embate interno entre alas radicais e pragmáticas. Akhundzada, que governa de sua base em Kandahar, tem concentrado poder, marginalizando líderes considerados mais moderados, como Sirajuddin Haqqani, ministro do Interior e chefe da influente Rede Haqqani, e Mullah Mohammad Yaqub, ministro da Defesa e filho do fundador do grupo, Mullah Omar. Outro nome de peso é Mullah Abdul Ghani Baradar, atual vice-primeiro-ministro, que comandou as negociações no Catar antes da retirada dos Estados Unidos.

Enquanto alguns líderes buscam reconhecimento internacional e investimentos para aliviar a crise econômica, outros priorizam a imposição de uma rígida interpretação da Sharia, a lei islâmica, mesmo que isso mantenha o país isolado. O fortalecimento da facção baseada em Kandahar em detrimento de antigos comandantes de campo e negociadores políticos também tem alimentado ressentimentos.

Ameaça terrorista e economia em frangalhos

Além das disputas internas, o Taleban enfrenta desafios externos, como a ameaça do grupo extremista Estado Islâmico-Khorasan (EI-K). No dia 11 de fevereiro, um atentado suicida reivindicado pela facção em um banco no norte do país deixou ao menos cinco mortos, segundo o Taleban. No entanto, fontes dentro do próprio grupo afirmam que o número de vítimas foi maior, chegando a 14, incluindo combatentes talibãs.

A fragilidade econômica do regime agrava ainda mais o cenário. O bloqueio de fundos internacionais desde a retomada do poder tem estrangulado as finanças do país. A moeda afegã, o afghani, perdeu valor nas últimas semanas, gerando aumentos de preços e aprofundando a crise humanitária. O país segue sem reconhecimento formal de nenhuma grande potência, o que impede a chegada de investimentos e ajuda externa substancial.

A coesão do Taleban sempre foi um pilar da sua força, mas as disputas recentes indicam que essa unidade está enfraquecendo. Embora o cenário mais provável envolva episódios de violência isolada, assassinatos e expurgos internos, a incapacidade de resolver as divisões pode levar o Afeganistão a uma nova espiral de conflitos entre facções islamistas. Se as tensões não forem controladas, o país pode enfrentar mais um ciclo de guerra civil, comprometendo ainda mais sua estabilidade e segurança.

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