O crescimento da influência do Ministro do Interior do Afeganistão, Sirajuddin Haqqani, no governo talibã tende a virar um problema para os países ocidentais. Inclusive com o aumento global da ameaça de terrorismo. Quem fez essa afirmação, em entrevista ao portal EU Reporter, foi Barbara Kelemen, analista-chefe de inteligência para a Ásia da agência Dragonfly, um serviço global de inteligência geopolítica e de segurança.
“Sirajuddin Haqqani se tornou uma das pessoas mais poderosas do Afeganistão. Ele montou e agora controla o aparato de segurança do país e está expandindo ativamente sua influência por meio de nomeações”, diz Kelemen. “O fortalecimento do poder no país provavelmente será feito na forma de mais controles de segurança, execuções extrajudiciais e uma implementação mais estrita da lei Sharia”.
Figura proeminente do atual governo talibã no Afeganistão, Haqqani é também um dos terroristas mais procurados do mundo, com uma recompensa de US$ 10 milhões oferecida pelo Departamento de Estado norte-americano. Ele é o idealizador da Rede Haqqani, um grupo extremista originário do Paquistão que passou a atuar sobretudo no leste do Afeganistão e em Cabul nos tempos da ocupação estrangeira.
À frente da organização terrorista, Haqqani já admitiu ter planejado, em janeiro de 2008, um ataque contra o Hotel Serena, em Cabul, que matou seis pessoas. Também foi o autor da tentativa de assassinato contra o presidente afegão Hamid Karzai, em abril de 2008, e de uma série de ataques contra as forças dos EUA e da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) no Afeganistão.
Pacificação doméstica
Internamente, o poder de Haqqani deve trazer benefícios no curto prazo ao Taleban, com a redução da violência por parte do Estado Islâmico-Khorasan (EI-K), autor de uma série de violentos ataques no país recentemente. “Prevemos que Haqqani será capaz de conter parcialmente o EI-K nos próximos meses. Nós avaliamos que é muito improvável que isso signifique que ele derrotará completamente o EI-K. Isso se baseia em precedentes e também na topografia do Afeganistão”.
Segundo a analista, a influência de Haqqani aumenta a força militar do Taleban contra seu principal inimigo doméstico. “Sirajuddin é filho de Julaludin Haqqani, o fundador da Rede, que tinha um relacionamento próximo com Osama bin Laden. Entendemos que ele é mais radical do que seu pai e exerce influência significativa sobre alguns jihadistas estrangeiros no Afeganistão. Isso permitiu organizar e liderar um grupo de forças que agora está lutando contra o EI-K. Haqqani está comandando forças e supostamente nomeando governadores que compartilham de suas visões fundamentalistas”.
Terrorismo internacional
Se o Taleban tem muito a ganhar como o aumento do poder de Haqqani, os governos ocidentais devem aumentar a vigilância. “A Rede faz parte do Taleban, mas opera como uma célula distinta. É mais fundamentalista e tem laços mais estreitos com a Al-Qaeda e o Paquistão“, explica Kelemen. “É improvável que Haqqani e o aparato de segurança sob seu controle expulsem do Afeganistão jihadistas de pensamento semelhante, como a Al-Qaeda, o que, no longo prazo, provavelmente contribuirá para uma maior ameaça de terrorismo internacional”.
A analista deixa claro que a relação entre o Taleban e o terrorismo global não pode ser refutada, mesmo que seja difícil prová-la. “É improvável que os atuais níveis de cooperação entre jihadistas estrangeiros, a rede Haqqani e o Taleban se dissipem completamente. Eles têm mostrado repetidamente que podem manter a negação plausível se ocorrerem ataques de jihadistas estrangeiros”.
O que motiva o relacionamento discreto é a necessidade do Afeganistão de se relacionar diplomaticamente com o resto do mundo. “Duvidamos que a rede Haqqani ou o Taleban mais amplo incentivem ou facilitem diretamente ataques internacionais. Fazer isso minaria a credibilidade como governo e colocaria em risco o poder interno, ao arriscar uma ação militar internacional direcionada e sanções econômicas mais amplas”.
Por que isso importa?
Desde que assumiu o poder, no dia 15 de agosto, o Taleban busca reconhecimento internacional como governo de fato do que chama de “Emirado Islâmico“. O grupo chegou a se reunir com autoridades da ONU (Organização das Nações Unidas) a fim de garantir que a assistência humanitária seja mantida no país.
As acusações de abusos dos direitos humanos e de repressão, sobretudo contra as mulheres, afastam cada vez mais o governo talibã da comunidade internacional. Tanto que, até agora, nenhuma nação reconheceu formalmente o Taleban como poder legítimo no país, apesar da aproximação com países como China e Paquistão.
Mais do que legitimar os talibãs internacionalmente, o reconhecimento é crucial para fortalecer financeiramente um país pobre e sem perspectivas imediatas de gerar riqueza. Inclusive, os Estados Unidos, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) cortaram o acesso de Cabul a mais de US$ 9,5 bilhões em empréstimos, fundos e ativos, sem qualquer previsão de retirada das sanções que bloquearam o dinheiro fundamental para reerguer o país.