Taleban queima instrumentos musicais no Afeganistão e alega que eles são ‘imorais’

O fundador do Instituto Nacional de Música do Afeganistão comparou a situação a um "genocídio cultural"

No Afeganistão, a música é considerada “pecaminosa” pelo Taleban, que desde a chegada ao poder tem reprimido tal manifestação cultural. Diante da interpretação radical do Islã, milhares de dólares em equipamentos musicais viraram cinzas em uma fogueira no último final de semana na província de Herat, no oeste do país. As informações são da rede BBC.

Desde que assumiu o poder em 2021, o regime fundamentalista tem imposto várias restrições, incluindo a proibição de tocar música em público. A medida remonta ao governo talibã do período de 1996 a 2001, quando os militantes estavam no poder antes da chegada das tropas dos Estados Unidos. As exceções legais se resumem a canções islâmicas.

Dessa forma, no último sábado (29), os talibãs queimaram instrumentos e equipamentos alegando que a música “causa corrupção moral”. A medida gerou manifestação de repúdio de Ahmad Sarmast, fundador do Instituto Nacional de Música do Afeganistão (Anim, na sigla em inglês), que classificou o ato como “genocídio cultural” e “vandalismo musical”.

Na visão do regime fundamentalista, música “causa corrupção moral” (Foto: WikiCommons)

Em uma entrevista à BBC, Ahmad Sarmast, que atualmente reside em Portugal, destacou que a liberdade artística foi negada ao povo do Afeganistão. Ele definiu a incineração dos instrumentos musicais como um “exemplo significativo do genocídio cultural que está ocorrendo sob a liderança do Taleban”.

Em Herat, foram queimados diversos itens, incluindo uma guitarra, um harmônio, uma tabla e equipamentos de som, muitos deles apreendidos em locais de casamento. O Ministério para a Propagação da Virtude e Prevenção do Vício, principal órgão da repressão talibã, justificou a ação afirmando que a música poderia “desviar” os jovens.

Essa não foi a primeira vez que o Taleban realizou tal ato. Uma fogueira semelhante foi organizada anteriormente em outra parte do país, conforme fotos postadas no Twitter em 19 de julho.

Desde a tomada do poder central há quase dois anos, o Ministério da Virtude e Prevenção do Vício introduziu a polícia moral em grandes cidades, impondo regras cada vez mais rigorosas. As mulheres são as maiores vítimas, mas as ações acabam por atingir todo os afegãos.

Recentemente, a proibição aos salões de beleza surgiu como um dos duro golpe contra as afegãs, privando inúmeras famílias de uma importante fonte de renda, crucial em meio à profunda crise que afeta o país.

Também impactou na vida de todos os afegãos a proibição do trabalho feminino em ONGs, que desempenham papel crucial no atendimento à população afetada. Para muitos cidadãos, as entidades humanitárias são a melhor forme de obter comida e atendimento médico, por exemplo.

Impacto cultural

Um dos impactos culturais mais significativos desde que a organização voltou ao poder foi o fechamento do Instituto Nacional de Música do Afeganistão, fundado em 2010. Com medo de perseguição, alguns estudantes chegaram a devolver seus instrumentos.

Também há relatos de que os músicos afegãos, receosos da proibição de suas atividades, queimaram eles próprios seus instrumentos ou então os esconderam.

Logo que o grupo assumiu o poder, em agosto de 2021, integrantes do Anim deixaram o Afeganistão. Na ocasião, 101 pessoas, entre alunos, professores e músicos, foram transportados de avião para Doha, no Catar. “Cem vidas foram salvas. Cem sonhos foram salvos”, declarou Sarmast na ocasião. 

Quando o regime assumiu o poder na gestão anterior, em 1996, instrumentos musicais foram igualmente destruídos, assim como registros sonoros. O Taleban via a música como algo blasfemo, e os músicos foram alvo de perseguições, muitos sendo forçados a se esconder.

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