Tratamento do Taleban às afegãs configura um ‘apartheid de gênero’, diz relator da ONU

Embora a expressão originalmente se refira à raça, pode ser aplicada também ao gênero, de acordo com Richard Bennett

As restrições impostas pelo Taleban a mulheres e meninas no Afeganistão configuram a um “apartheid de gênero”. A declaração foi dada na segunda-feira (19) por Richard Bennett, relator especial da ONU (Organização das Nações Undias) sobre a situação dos direitos humanos no país do Oriente Médio. As informações são da agência Reuters.

“A discriminação grave, sistemática e institucionalizada contra mulheres e meninas está no cerne da ideologia e do governo do Taleban, o que também dá origem a preocupações de que elas possam ser responsáveis ​​pelo apartheid de gênero”, disse Bennett ao Conselho de Direitos Humanos.

O relator especial explicou que, embora a expressão apartheid originalmente se refira à raça, pode ser aplicada ao gênero. “Apontamos para a necessidade de mais exploração do apartheid de gênero, que atualmente não é um crime internacional, mas pode se tornar”, afirmou.

Por definição, o apartheid de gênero é a “discriminação sexual econômica e social contra indivíduos por causa de seu gênero ou sexo.”

Bennet foi além na acusação. “Também chamamos a atenção do Conselho para nossa profunda preocupação de que essas graves privações dos direitos humanos fundamentais de mulheres e meninas e a dura aplicação de suas medidas restritivas pelas autoridades de fato possam constituir o crime contra a humanidade de perseguição de gênero”, afirmou.

Repressão de gênero ganhou força no Afeganistão após a ascensão do Taleban (Foto: WikiCommons)

A manifestação surge em meio à proibição imposta pelo Taleban ao trabalho de mulheres afegãs em ONGs, inclusive em agências das Nações Unidas. A proibição afeta somente trabalhadoras locais, enquanto as estrangeiras seguem autorizadas a trabalhar. Porém, devido à escassez de mão de obra, muitas agências optaram por suspender suas atividades completamente.

A situação intensifica a crise no país, onde cerca de 23 milhões de pessoas, mais da 50% da população, necessitam atualmente de ajuda humanitária. Sem as mulheres, torna-se praticamente inviável o trabalho das entidades que realizam esse tipo de operação. E faz crescer o drama de afegãos que vivem em condições desesperadoras em meio à profunda crise econômica do país.

Devido ao problema, o Conselho de Segurança da ONU aprovou no dia 28 de abril, de forma unânime, uma resolução que insta o Taleban a “reverter rapidamente” as medidas restritivas contra as mulheres. O documento condena em particular a proibição de afegãs trabalharem para as Nações Unidas

A resolução, adotada por todos os 15 membros do Conselho, diz que a proibição anunciada no início de abril “mina os direitos humanos e os princípios humanitários”. E pede a “participação plena, igualitária, significativa e segura de mulheres e meninas no Afeganistão”, instando todos os países e organizações com influência sobre os governantes fundamentalistas do país “a promoverem uma reversão urgente” de políticas que efetivamente apagaram as mulheres da vida pública.

Misoginia

Embora tenha prometido moderação no início, o Taleban se mostrou mais engajado em enterrar qualquer resquício de progresso democrático. Com o esvaziamento em agosto de 2021 da base militar de Bagram, que durante vinte anos foi o centro do poder militar dos EUA e seus aliados no Oriente Médio, os talibãs impuseram o terror e a repressão decorrentes de uma abordagem radical da lei islâmica, a ‘Sharia’.

A misoginia é parte central nesse processo, já que o governo tem na repressão de gênero uma de suas mais autoritárias marcas. Mulheres não podem estudar a partir da sexta série, não podem trabalhar em diversos setores da economia nem sair de casa desacompanhadas de um homem. A perda do salário por parte de muitas mulheres que sustentavam suas casas contribui para o empobrecimento da população.

A perseguição implacável do Taleban às mulheres fez os níveis de emprego feminino no Afeganistão caírem acentuadamente, de acordo com dados divulgados recentemente pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Um estudo da entidade, intitulado Emprego no Afeganistão em 2022: uma rápida avaliação de impacto, diz que, no quarto trimestre de 2022, o emprego feminino teve redução de 25% na comparação com o segundo trimestre de 2021, período que antecedeu a retirada das tropas dos EUA e aliados do país e a consequente insurreição dos extremistas.

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