ARTIGO: Quem tem medo do TikTok? Da conjuntura dos EUA ao infocapitalismo

Com proibição dos chineses TikTok e WeChat, pesquisador questiona autonomia humana em plataformas virtuais

Artigo publicado originalmente no portal da Revista Mundorama

*por Felipe Alves Oliveira, mestre em Direitos Humanos pela UFPE (Universidade Federal de Pernambuco)

O que é o TikTok? O aplicativo controlado pela startup chinesa ByteDance, sediada em Shengzou, é uma rede social voltada para o compartilhamento de vídeos curtos, entre 15 a 60 segundos, focado em dublagens e cenas de humor.

O aplicativo ganhou popularidade contando com mais de 175 milhões de downloads apenas nas apps stores dos Estados Unidos. Tal crescimento despertou a atenção da administração Trump, as permissões concedidas para uso do app envolvem compartilhamento de dados sensíveis dos usuários, e seu armazenamento em território chinês.

A gestão Trump foi marcada pela crescente disputa comercial dos Estados Unidos com a China. Ao longo dos últimos anos, a economia mundial esteve sob influência das dinâmicas de poder e barganha empregadas pela administração Trump e pelo partido comunista chinês.

De um modo geral, estas tensões foram se elevando, envolvendo empresas de infraestrutura de rede informática, alcançando a questão do 5G e as tentativas de bloqueio à empresa de tecnologia Huawei, o assunto se tornou recorrente em análises especializadas.

De tais análises, depreendemos uma abordagem conjuntural do conflito, a qual, será aqui complementada por reflexões acerca das dinâmicas estruturais do próprio sistema de acumulação de capital globalmente dominante.

ARTIGO: Quem tem medo do TikTok? Da conjuntura norte-americana às mudanças estruturais do info-capitalismo
TikTok na corda bamba: autoridades do Paquistão já alertaram a plataforma sobre a possibilidade de proibição (Foto: Solen Feyissa/Flickr)

A partir do conceito de info-capitalismo de Apprich (2017), empreenderemos uma análise de conjuntura-estrutura, a fim de responder: por que os aplicativos TikTok e WeChat precisam ser banidos do mercado estadunidense?

A mais evidente característica desse enfrentamento vem sendo profundamente vinculada pela mídia e academia ocidental como uma tentativa de barrar o avanço da vigilância chinesa sobre dados de usuários norte-americanos.

Tais narrativas reforçam concepções da rede mundial de computadores, Internet, como um espaço neutro. O qual, apenas pelos moldes estadunidenses, foi possível criar um ambiente relativamente independente da interferência e vigilância estatal (APPRICH, 2017).

Contudo, desde as revelações de Edward Snowden e do escândalo da Cambridge Analytica a presumida liberdade pregoada como condição inerente da internet agenciada pelas Big Techs do Vale do Silício se mostrou apenas um recurso retórico, ou seja, o panóptico focaultiano é a regra também no ocidente liberal.

Seja a constante surveillance estatal, seja a venda de Big Data como estrutura produtiva do capitalismo quando baseado no comércio de informação. Sendo este processo de venda chamado de info-capitalismo.

Neste sentido, quando é posta a dicotomia entre modelos de internet entre oriente e ocidente se torna óbvio que a questão da vigilância é pano de fundo retórico que mascara as suas dinâmicas estruturais.

Conforme descrito por Lovink (2019), Big Techs, a exemplo do Facebook, já não tem interesse na geração de perfis-ideais e comercialização de big data relacionado aos possíveis alvos de campanhas de marketing.

Uma estas já dispõem de uma base de dados de perfis na casa de bilhões, as dinâmicas de interação e reação a postagens e engajamento entre usuários e páginas já se encontra estatisticamente consolidada.

De tal sorte que Lovink (2020) chega a antecipar o fim do próprio botão like, já que este se tornou uma estrutura valorativa obsoleta. Diante disso, que outras formas de realizar valor no ambiente virtual ganham proeminência?

A princípio, podemos perceber certa diferença entre o ecossistema de múltiplas plataformas típicas do ocidente, até a contraparte chinesa, na qual todos os principais serviços são centralizados em um único app, o WeChat.

Destarte, no modelo chinês o WeChat engloba tanto rede social quanto mensageiro instantâneo, serviço de transporte, correio eletrônico, streaming de música e vídeo e, principalmente, meio de pagamento. É precisamente no último que as tensões encontram seu máximo foco.

Quando o Facebook anunciou a Libra como meio de pagamento, a União Europeia rapidamente se insurgiu, declarando que o serviço seria proibido no espaço do bloco.

As blockchains tem se mostrado verdadeiros desafios ao atual sistema monetário e hegemonia de moedas nacionais fortes, uma vez que intermediam trocas de valores e interações comerciais paralelas às moedas nacionais.

Neste cenário, um eventual incremento de usuários em aplicações chinesas que aceitam ou potencialmente agenciam trocas comerciais sobre padrões monetários para além da moeda nacional se torna um desafio à hegemonia de moedas ocidentais, sobretudo, o dólar. É neste encontro que aplicações chinesas são, e serão, encaradas como ameaça pelo governo dos Estados Unidos.

Sob o argumento da proteção aos usuários, expresso na ordem executiva de banimento do TikTok mascara-se a razão estrutural de tais proibições. É preciso conter e manter moeda, ou moedas quando pensamos no advento da Libra, dos Estados Unidos como meio de pagamento universal, assim se repele qualquer avanço chinês sobre o mercado de plataformas virtuais nos EUA.

Esse caráter econômico da sanção fica mais evidente quando, na ordem executiva de proibição do WeChat, ficam proibidas inclusive transações privadas dentro da aplicação.

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Ícones do Facebook e Instagram, do empresário Mark Zuckemberg, em março de 2014 (Foto: Pixabay)

Ao longo dos últimos anos, diversas aplicações tiveram seus serviços sob ameaça no mercado norte-americano sobre o pretexto da privacidade. Desde aplicativos de encontros sexuais como o Grindr até o popular aplicativo de compartilhamento de vídeos TikTok.

Todos estes bloqueios tiveram como principal argumento motivador a defesa intransigente da privacidade dos dados de usuários ocidentais frente aos maléficos do sistema de vigilância e controle chinês. Com respeito ao supracitado aplicativo de encontros, invocou-se até questão de segurança nacional o possível vazamento de status de sorologia do sangue para HIV+ de oficiais do exército dos EUA.

Contudo, tais movimentos visaram apenas o continuo controle de empresas ocidentais, sobre os aplicativos mais utilizados no ocidente, de modo a garantir que, por hora, nenhum meio de pagamento suplante o uso da moeda norte-americana como meio de pagamento preferencial em transações comerciais, virtuais ou não.

Tal necessidade de controle se ocidental é reforçada discursivamente pelas continuas ameaças de regulação pública das Big Techs ligadas a refusa veemente da administração Trump em taxar tais empresas.

Finalmente, fica claro que o interesse sobre os dados dos usuários é um interesse geopolítico que movimenta os centros de poder globais uns contra os outros, numa nova forma de nacionalismo: o “Data nacionalism”.

Desde o ponto de vista conjuntural a defesa da privacidade dos usuários é instrumento retórico e seu monitoramento uma agenda muito mais vinculada aos interesses estatais que das próprias grandes empresas.

Os primeiros precisam de informações e atualizações constantes sobre indivíduos de interesse, os segundos já dispõem de instrumentos o suficiente para direcionar produtos e conteúdos de modo assertivo em termos estatísticos.

A reflexão subjacente será: Sejam estadocentradas, sejam privadamente monopolizadas. Quais potenciais para autonomia humana serão suplantados e quais serão as novas estratégias de poder e controle empregadas pelas plataformas virtuais?

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