Avanço de rebeldes na RD Congo aumenta chance de um conflito regional na África

Governo congolês acusa Ruanda de apoiar o M23, que vem conquistando vitórias e pode assumir o controle de uma cidade estratégica

As recentes vitórias conquistadas pelo grupo rebelde M23 na República Democrática do Congo colocam todo o continente africano em alerta. Conforme a facção avança rumo a Goma, capital da província de Kivu do Norte e rica em recursos minerais, o governo local direciona sua insatisfação a Ruanda, país vizinho acusado de apoiar os insurgentes. Um cenário de tensão que a qualquer momento pode escalar para uma guerra transfronteiriça, segundo o jornal Financial Times.

O M23 era inicialmente uma milícia formada por tutsis da RD Congo e então apoiada pelos governos de Ruanda e Uganda. Em 23 de março de 2009, o grupo assinou um acordo de paz e acabou incorporado ao exército nacional congolês. Em 2012, porém, se insurgiu novamente ao acusar o governo de não cumprir sua parte no acordo, renascendo com a nomenclatura atual.

Após um novo cessar-fogo firmado com o governo congolês, o grupo voltou a pegar em armas em 2021 e assim permanece até hoje. De acordo com o Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas), a milícia é uma “séria ameaça à paz, segurança e estabilidade na região.”

Soldados do M23, movimento armado da RD Congo, em foto de 2012 (Foto: Wikimedia Commons)

Angèle Dikongué-Atangana, representante da RD Congo no Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), concorda com a avaliação e afirma que a situação é “realmente catastrófica”. O M23 vem conquistando território, já domina as principais rotas que levam a Goma e dá sinais de que pode assumir o controle da cidade, o que gearia uma crise humanitária.

A situação já é complicada, com cerca de 230 mil pessoas forçadas a deixar suas casas conforme o grupo rebelde vai avançando. Os deslocados buscam abrigo em Goma, mas de lá não teriam mais aonde ir. De acordo com Dikongué-Atangana, a situação “asfixiou” a cidade, que tinha anteriormente cerca de 1,5 milhão de pessoas e pode ter todas as entregas de suprimentos cortadas com a eventual invasão.

“Se os combates se aproximarem de Goma, o impacto será exponencial”, declarou Joachim Giaminardi, conselheiro de defesa da ONG Conselho Norueguês para os Refugiados, segundo quem os combates que vêm sendo travados atualmente são “completamente sem precedentes.”

Embora o governo de Ruanda insista em desmentir sua aliança com o M23, a ONU afirmou em um relatório de dezembro de 2023 que as Forças Armadas do país não apenas forneceram treinamento aos rebeldes, mas colocaram seus próprios soldados para agir no território congolês.

A questão étnica motiva Ruanda, que vê no apoio aos rebeldes uma forma de defender os tutsis de outra milícia rival, as FDLR, formada por hutus. Foram os hutus os responsáveis pelo genocídio dos tutsis em Ruanda em 1994, e o M23 diz agir para evitar que o cenário se repita. No total, quase um milhão de pessoas morreram há 30 anos, incluindo hutus moderados e cidadãos que resistiram.

A interferência ruandesa irrita o governo da RD Congo, díi o temor de um conflito entre as duas nações. “Não cabe a um presidente estrangeiro pretender defender um povo que tem as suas raízes no território de outro país”, afirmou François Muamba, conselheiro especial do presidente congolês Félix Tshisekedi.

A questão, no entanto, não se limita à etnia. Fred Bauma, diretor executivo do think tank local Ebuteli, diz que Ruanda parece mirar também nas riquezas mineiras de Kivu do Norte, especialmente o ouro.

Conforme os rebeldes avançam, as tropas congolesas aumentam a resistência, e o resultado é mais violência. Segundo a Cruz Vermelha, um hospital que a entidade gerencia em Gome recebeu em fevereiro cerca de 350 feridos, contra uma média mensal de 50. As maiores vítimas acabam sendo os civis, que se posicionam contra a milícia, mas observam a incapacidade do exército congolês de resistir.

Conforme a tensão aumenta, a única solução aparentemente viável é a interferência estrangeira, embora não venha sendo debatida. Martha Pobee, secretária-geral adjunta para assuntos políticos e operações de paz da ONU na África, fez um apelo nesse sentido em 2022, falando ao Conselho de Segurança. Mas até agora não parece ter sido ouvida.

“É imperativo que este Conselho dê todo o seu peso aos esforços regionais em andamento para neutralizar a situação e acabar com a insurgência do M23, de uma vez por todas”, disse ela.

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