STF mantém prisão de suposto espião russo, nega extradição e atribui decisão a Lula

Sergey Vladimirovich Cherkasov está detido em Brasília, investigado por atos de espionagem, lavagem de capitais e corrupção passiva

Sergey Vladimirovich Cherkasov, suspeito de ser um espião russo ativo no Brasil, teve o pedido de extradição imediata para a Rússia negado e seguirá preso em Brasília, ao menos temporariamente. A decisão foi anunciada pelo Superior Tribunal Federal (STF).

O relator do processo, ministro Edson Fachin, decidiu não apenas recusar o pedido de extradição. Ele também vetou a libertação do preso, determinando que siga detido preventivamente na Penitenciária Federal de Brasília.

Na decisão, o ministro destaca que, além de ter sido condenado por falsidade ideológica, o acusado ainda “responde a procedimentos criminais referentes a possíveis atos de espionagem, lavagem de capitais e corrupção e corrupção passiva.” E acrescenta que a prisão “não decorre unicamente da ordem de prisão preventiva desta extradição.”

Mesmo o crime do qual é acusado na Rússia, tráfico de drogas, é usado para argumentar contra a libertação. Fachin afirma que “o extraditando será entregue pela suposta prática de crimes graves em Moscou”, que “evadiu-se daquele país para se furtar das suas responsabilidades penais” e “persistiu na prática de atos ilegais no tempo em que permaneceu no Brasil.”

Quanto ao pedido de entrega voluntária do acusado ao governo russo, que também foi rejeitado pelo STF, o relator afirma que “é prerrogativa exclusiva do Presidente da República a competência para liberação antecipada do extraditando.”

O russo Sergey Vladimirovich Cherkasov, que usava a falsa identidade brasileira de Victor Muller Ferreira: suspeito de ser um espião russo (Foto: reprodução/redes sociais)
Estratégia de Moscou?

Na Rússia, pesa contra Cherkasov um mandado de prisão por tráfico de drogas, crime cuja pena tende a ser ainda mais severa que a de 15 anos imposta a ele no Brasil por falsidade ideológica. Ainda assim, o russo sempre deixou claro que a extradição surge como uma opção mais interessante.

O advogado que defendeu o russo no início do processo de primeira instância chegou a pedir, ainda em 2022, que ele fosse transferido da Polícia Federal (PF) em São Paulo, onde ficou detido temporariamente, para o Consulado da Rússia. Argumentou que Cherkasov ficaria detido ali sob a promessa de comparecer aos procedimentos legais estabelecidos. O pedido foi negado pela Justiça.

A situação lembra a do empresário russo Artem Uss, preso em outubro de 2022 na Itália a pedido da justiça norte-americana. Na ocasião, um tribunal de Moscou emitiu um mandado de prisão que mais tarde mostrou-se fajuto. A medida visava impedir a extradição para os EUA recém-aprovada por uma corte de Milão. Mais tarde, Uss fugiu das autoridades italianas e hoje está de volta à Rússia.

No caso de Cherkasov, existe uma decisão anterior do STF de que ele poderá retornar à Rússia. A corte inclusive usou esse argumentou ao recusar, em março de 2023, um pedido de entrega do russo ao governo dos EUA. Entretanto, ele só será seguirá para seu país de origem “após o fim das apurações sobre os supostos crimes cometidos no Brasil.”

A história do espião

Cherkasov, então identificado como Victor Muller Ferreira, chegou ao aeroporto de Guarulhos no dia 2 de abril de 2022, proveniente de Amsterdã, na Holanda. A entrada dele no país europeu havia sido vetada por irregularidades com a documentação. Detido no desembarque em São Paulo, teve a prisão preventiva decretada no dia seguinte pela Justiça brasileira, acusado de falsidade ideológica por portar documentos com dados falsos.

Àquela altura, as autoridades do Brasil já sabiam que o indivíduo em questão era na verdade um espião russo. Ele assumiu a identidade falsa provavelmente em 2011, quando existe o último registro de entrada de Cherkasov no Brasil, mas nenhum registro de saída. No período em que esteve aqui, regularizou toda a situação documental. Tinha carteira nacional de habilitação (CNH), cédula de identidade, certificado de dispensa militar e dois passaportes brasileiros.

Uma das inconsistências na falsa identidade criada pelo espião russo está relacionada à suposta mãe, Juraci Eliza Muller. Ela é de fato uma cidadã brasileira falecida, mas parentes dizem que jamais teve filhos. Tal informação também não consta da certidão de óbito da “mãe”, que Victor carregava com ele quando foi preso. É comum, porém, que tal documento indique se a pessoa morta deixou herdeiros.

Em seu depoimento, o homem detido em Guarulhos disse que Juraci morreu quando ele tinha dois anos e que, por isso, não tinha lembrança dela. Diz que deixou o Brasil rumo à Argentina com dois anos e lá foi criado por uma tia-avó, identificada como Pilar Palácio.

A polícia do Brasil estranhou o fato de o homem não carregar nenhum documento argentino, embora tenha dito que viveu no país sul-americano por cerca de 20 anos. Por outro lado, carregava diversos documentos brasileiros e também irlandeses e norte-americanos, de quando viveu e estudou nesses dois países.

A CNH igualmente ajudou a derrubar o disfarce. O documento de posse de Victor no desembarque em Guarulhos exibia uma foto dele mesmo. Já no sistema do governo brasileiro, a foto tirada quando o documento original foi expedido é de uma pessoa diferente. Há, nesse caso, duas hipóteses: o espião assumiu a identidade de outro brasileiro ou uma terceira pessoa fez o pedido da CNH em nome de Victor Muller Ferreira.

Quando foi barrado na Holanda, o espião se dirigia ao país para cumprir um contrato de estágio no Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia. Ali, a provável missão era acessar informações de interesse de Moscou, que na ocasião já havia iniciado a guerra na Ucrânia e por isso estava na mira da corte, que mais tarde emitiu um mandado de prisão contra o presidente Vladimir Putin por crimes de guerra.

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