Tesouro dos EUA impõe sanções a rede de financiamento do Estado Islâmico

Cinco indivíduos foram sancionados, sob a acusação de arrecadar dinheiro usado inclusive para recrutar crianças-soldado

O Governo dos EUA, através de seu Departamento do Tesouro, anunciou na segunda-feira (9) a inclusão de cinco indivíduos à lista de sanções financeiras. Eles são acusados de integrar uma rede que ajuda a financiar o Estado Islâmico (EI), uma das principais organizações terroristas o mundo.

Os sancionados são acusados de realizar operações na Indonésia, na Síria e na Turquia, tendo desempenhado “papel fundamental na facilitação da viagem de extremistas para a Síria e outras áreas onde o EI opera”, diz o comunicado do Tesouro.

Entre as operações do grupo estaria a arrecadação de fundos na Indonésia e na Turquia, com vistas a “apoiar os esforços do EI em campos de deslocados na Síria”. Parte do dinheiro teria sido usada inclusive “para pagar o contrabando de crianças para fora dos campos e entregá-las a combatentes estrangeiros do EI como potenciais recrutas”.

“Hoje, o Tesouro tomou medidas para expor e interromper uma rede internacional de facilitação que apoiou o recrutamento do EI, incluindo o recrutamento de crianças vulneráveis na Síria”, disse o subsecretário do Tesouro para Terrorismo e Inteligência Financeira Brian E. Nelson. “Os Estados Unidos, como parte da Coalizão Global para Derrotar o EI, estão comprometidos a negar ao EI a capacidade de arrecadar e movimentar fundos em várias jurisdições”.

Insurgentes do Estado Islâmico no deserto de Homs, Síria (Foto: Observatório Sírio de Direitos Humanos)

O Tesouro alega que pessoas de mais de 40 países enviaram dinheiro para apoiar o EI através da rede sancionada nesta segunda. O destino dos fundos muitas vezes é o campo de deslocados de Al-Hol, na Síria, onde vivem cerca de 70 mil pessoas, muitas delas simpatizantes ou familiares de membros do grupo extremista.

“Somente em Al-Hol, os apoiadores do EI receberam até US$ 20 mil por mês via hawala, um mecanismo informal de transferência; a maioria dessas transferências de fundos se originou fora da Síria ou passou por países vizinhos como a Turquia”, diz o documento.

Encabeça a lista de sanções Dwi Dahlia Susanti, casada com um membro da organização jihadista e acusada de ajudar o marido desde 2017 a “entregar quase US$ 4 mil e armas a um líder do EI. Naquela época, Susanti desviou cerca de US$ 500 desses fundos para apoiadores do EI em sua própria rede”.

Os outros sancionados são Rudi Heryadi, Ari Kardian, Muhammad Dandi Adhiguna e Dini Ramadhani. Todos os cinco tiveram eventuais ativos que possuam nos EUA congelados, e os cidadãos ou empresas norte-americanos ficam proibidos de negociar com eles.

Por que isso importa?

Nos últimos anos, o EI se enfraqueceu financeira e militarmente. Em 2017, o exército iraquiano anunciou ter derrotado a organização no país, com a retomada de todos os territórios que ela dominava desde 2014. O grupo, que chegou a controlar um terço do Iraque, hoje mantém apenas células adormecidas que lançam ataques esporádicos, quase sempre focados em agentes do governo. Já as FDS (Forças Democráticas Sírias), uma milícia curda apoiada pelos EUA, anunciaram em 2019 o fim do “califado” criado pela organização extremista na Síria.

Em janeiro deste ano, o grupo sofreu mais um duro golpe quando o exército norte-americano anunciou ter matado Amir Muhammad Sa’id Abdal-Rahman al-Mawla, principal líder da facção. Durante uma operação antiterrorismo dos EUA na Síria, ele explodiu uma bomba que carregava junto ao corpo, matando também mulheres e crianças que o acompanhavam. O evento foi semelhante a outro, em 2019, que terminou com a morte do líder anterior da organização extremista, Abu Bakr al-Baghdadi.

De acordo com um relatório do Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas) publicado em fevereiro de 2022, as perdas territoriais e de pessoal transformaram o EI, que antes controlava boas partes da Síria e do Iraque, em “uma insurgência principalmente rural, resistindo à pressão antiterrorista sustentada pelas forças da região”.

A pandemia também continua a ser um desafio, pois impede as “viagens transfronteiriças, diminuindo as ameaças decorrentes de fluxos de combatentes em zonas de conflito e viagens terroristas mais amplas em zonas de não conflito”. Por outro lado, a estagnação do terrorismo em meio à onda de Covid-19 aumenta as “oportunidades de recrutamento e radicalização online”, criando a perspectiva de uma retomada futura das ações extremistas globais.

Outro risco que o grupo oferece é a presença de milhares de ex-combatentes em prisões e campos de deslocados em várias partes do mundo. Devolvê-los a seus países de origem e processá-los judicialmente é um desafio para os Estados-Membros da ONU, e os estabelecimentos que abrigam os extremistas são um potencial alvo de ataques para o EI. Exatamente como ocorreu na prisão de Ghwayran, na cidade de al-Hasakah, na Síria, invadida pelo grupo com a meta de libertar seguidores.

“Devido à capacidade severamente degradada, a sobrevivência futura do EI depende de sua capacidade de reabastecer as fileiras por meio de tentativas mal concebidas, como o ataque a Hasakah”, afirmou o major-general norte-americano John W. Brennan Jr., comandante da força de coalização liderada pelos EUA para combater o EI. Segundo ele, a ação na prisão síria gerou enorme prejuízo ao grupo terrorista, que “sentenciou à morte muitos dos seus que participaram deste ataque”.

Atualmente, o principal reduto do EI é o continente africano, onde consegue se manter relevante graças ao recrutamento online e à ação de grupos afiliados regionais. A expansão do grupo em muitas regiões da África desde o início de 2021 é alarmante e pode marcar sua retomada de força. No Sudeste Asiático, ao contrário, os países da região têm obtido sucesso significativo em interromper o terrorismo de facções afiliadas.

No Brasil

Casos mostram que o Brasil é um porto seguro para extremistas. Em dezembro de 2013, levantamento do site The Brazil Business indicava a presença de ao menos sete organizações terroristas no Brasil: Al Qaeda, Jihad Media Battalion, Hezbollah, Hamas, Jihad Islâmica, Al-Gama’a Al-Islamiyya e Grupo Combatente Islâmico Marroquino.

Em 2001, uma investigação da revista VEJA mostrou que 20 membros terroristas de Al-Qaeda, Hamas e Hezbollah viviam no país, disseminando propaganda terrorista, coletando dinheiro, recrutando novos membros e planejando atos violentos.

Em 2016, duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos no Rio, a PF prendeu um grupo jihadista islâmico que planejava atentados semelhantes aos dos Jogos de Munique em 1972. Dez suspeitos de serem aliados ao Estado Islâmico foram presos e dois fugiram.

Mais recentemente, em dezembro de 2021, três cidadãos estrangeiros que vivem no Brasil foram adicionados à lista de sanções do Tesouro Norte-americano. Eles são acusados de contribuir para o financiamento da Al-Qaeda, tendo inclusive mantido contato com figuras importantes do grupo terrorista.

Para o tenente-coronel do Exército Brasileiro André Soares, ex-agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), o anúncio do Tesouro causa “preocupação enorme”, vez que confirma a presença do país no mapa das organizações terroristas islâmicas.

“A possibilidade de atentados terroristas em solo brasileiro, perpetrados não apenas por grupos extremistas islâmicos, mas também pelo terrorismo internacional, é real”, diz Soares, mestre em operações militares e autor do livro “Ex-Agente Abre a Caixa-Preta da Abin” (editora Escrituras). “O Estado e a sociedade brasileira estão completamente vulneráveis a atentados terroristas internacionais e inclusive domésticos, exatamente em razão da total disfuncionalidade e do colapso da atual estrutura de Inteligência de Estado vigente no país”. Saiba mais.

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