A crise na Ucrânia é um grande desafio para o governo da China

Artigo vê Beijing em uma encruzilhada, pois mantém sua posição pró-Moscou enquanto calcula os prejuízos dessa decisão

Este artigo foi publicado originalmente em inglês no site da rede britânica BBC

Por Stephen McDonell

Horas antes de o presidente russo Vladimir Putin anunciar uma operação militar no leste da Ucrânia, os EUA acusaram Moscou e Beijing de se unirem para criar uma ordem mundial “profundamente não liberal”.

A crise Ucrânia-Rússia tem representado um grande desafio para a China em muitas frentes.

A relação diplomática cada vez mais estreita entre a Rússia e a China pode ser vista nos Jogos de Inverno, com Putin chegando a Beijing como um dos poucos líderes mundiais conhecidos a comparecer.

Significativamente, Putin esperou até o fim dos Jogos para reconhecer as duas regiões separatistas da Ucrânia e enviar tropas para apoiá-las.

Em seus pronunciamentos públicos, o governo chinês instou todos os lados a diminuir as tensões na Ucrânia.

Presidentes da China, Xi Jinping, e da Rússia, Vladimir Putin, julho de 2018 (Foto: Wikimedia Commons)

Mas, agora que a Rússia dispensou toda essa restrição, onde isso deixa a posição oficial da China à medida que os confrontos aumentam?

O governo chinês acha que não pode ser visto como um apoio à guerra na Europa, mas também quer fortalecer os laços militares e estratégicos com Moscou.

O parceiro comercial número um da Ucrânia é a China, e Beijing gostaria de manter boas relações com Kiev. Mas isso pode ser difícil de sustentar quando se está claramente tão alinhado com o governo que está enviando suas tropas para o território ucraniano.

Há também o potencial de represálias comerciais da Europa Ocidental contra a China se for considerada como apoiando a agressão da Rússia.

Uma mudança na política externa da China?

Além disso, um refrão constante dos líderes da China é o de que ela não interfere nos assuntos internos de outros e que outros países não devem interferir em seus assuntos internos.

Mas, na semana passada, em um movimento surpreendente, a China se absteve de uma votação do Conselho de Segurança da ONU que condenou a invasão da Ucrânia.

Alguns analistas esperavam que Beijing se juntasse à Rússia na votação contra a moção, mas o fato de que não votou com Moscou foi descrito como uma “vitória para o Ocidente” – e é um sinal da não interferência de Beijing.

A China, no entanto, ainda está longe de condenar a situação, com o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Wang Wenbin, se recusando a se referir ao que está acontecendo lá como uma “invasão“.

Wang Wenbin, porta-voz do Ministério das relações Exteriores da China (Foto: reprodução/Twitter)

Há também relatos não confirmados de que Beijing estava ciente da situação e deliberadamente fez vista grossa.

De acordo com uma reportagem do New York Times citando autoridades americanas não identificadas, os EUA nos últimos meses pediram repetidamente à China que interviesse e dissesse à Rússia para não invadir a Ucrânia.

No entanto, o relatório acrescenta que as autoridades descobriram mais tarde que Beijing havia compartilhado essa informação com Moscou, dizendo que os EUA estavam tentando semear a discórdia e que a China não tentaria impedir os planos russos.

Traçando paralelos em Taiwan

Para o Partido Comunista Chinês (PCC), o que mais o preocupará é onde isso pode deixar seu próprio povo e sua visão de mundo.

Por isso, está manipulando e controlando as conversas sobre a situação da Ucrânia na imprensa e nas redes sociais.

Não demoraria muito para que Taiwan fosse arrastada para a mistura.

A ilha autônoma é vista pelo Partido como essencialmente uma província rebelde que deve ser unificada com o continente.

No Weibo, a versão chinesa do Twitter, os nacionalistas chineses usaram a invasão da Ucrânia pela Rússia para pedir à sua própria nação que siga o exemplo com comentários como: “É a melhor chance de recuperar Taiwan agora!”

Quando o governo chinês rejeitou a imposição de sanções à Rússia nos últimos dias, sabia que poderia enfrentar um tratamento semelhante se tentasse tomar Taiwan à força, no que seria um exercício sangrento e caro.

A porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Hua Chunying, disse em uma coletiva de imprensa regular em Beijing que a China nunca pensou que as sanções fossem a melhor maneira de resolver os problemas.

Mas, se os cidadãos chineses começarem a juntar os pontos com a justificativa da Rússia para invadir a Ucrânia e aplicá-la ao seu próprio país, isso pode derrubar toda a explicação do governo chinês para suas fronteiras atuais.

Censura e crítica nas redes sociais

Vladimir Putin diz que está libertando falantes de russo dentro da Ucrânia. E os mongóis étnicos, coreanos, quirguizes e afins que agora fazem parte da China? Mais potencialmente explosivo para Beijing, e se tibetanos ou uigures renovarem os apelos por maior autonomia ou mesmo independência?

Que isso não aconteça é mais importante para o governo de Xi Jinping do que qualquer coisa.

Dado isso, basta olhar para os comentários nas mídias sociais chinesas para ver a direção que a mídia do Partido está direcionando a população em termos de como deve ver os movimentos de Putin na Europa Oriental.

Na segunda-feira (14), o jornal Beijing Daily republicou um comunicado da Embaixada da Rússia em Beijing, pedindo ao mundo que não ajude o governo “neonazista” em Kiev.

Nas redes sociais, os comentários sobre a Ucrânia e a Rússia também são rigidamente controlados.

Aqui está um sabor dos comentários:

“Putin é incrível!”

“Eu apoio a Rússia, me oponho aos EUA. Isso é tudo que eu quero dizer.”

“A América sempre quer criar confusão no mundo!”

Mas claramente ainda há cautela por parte da China.

Ela voltou atrás em uma proclamação inicial na qual a embaixada chinesa em Kiev inicialmente aconselhou os cidadãos chineses a hastear bandeiras chinesas em seus carros, para ajudar uns aos outros enquanto “mostram a força da China”.

Alguns dias depois da guerra, isso mudou para recomendar que as pessoas não “revelem livremente sua identidade ou exibam sinais de identificação”.

Alguns estão especulando que essa mudança se deve ao temor de que o povo chinês possa estar em perigo à medida que notícias chegam à Ucrânia sobre a mídia do Partido Comunista aumentando o apoio às ações de Putin.

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