China pediu à Rússia que adiasse a invasão da Ucrânia até o final dos Jogos de Inverno

Relatório sugere que Beijing tinha informações privilegiadas sobre as intenções do presidente russo Vladimir Putin de atacar

A China tinha informações privilegiadas sobre os planos do presidente russo Vladimir Putin de invadir a Ucrânia e pediu à Rússia que adiasse o ataque ao menos até o final dos Jogos de Inverno Beijing 2022, realizados entre 4 e 20 de fevereiro. Tais informações constam de um relatório de inteligência feito por uma agência ocidental e foram confirmadas por funcionários do governo Biden ao jornal The New York Times.

No dia da abertura do evento esportivo, 4 de fevereiro, Putin e o presidente da China, Xi Jinping, se encontraram em Beijing e anunciaram uma aliança classificada como “sem limites” pelos dois governos. A aproximação ocorreu sobretudo com o objetivo de frear o crescimento da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) rumo ao leste.

As questões debatidas entre os dois líder são confidenciais, mas chegaram ao conhecimento de um serviço de inteligência ocidental não especificado. Entretanto, não está claro se a questão da data da invasão foi tratada diretamente entre os dois líderes no encontro.

Presidentes Xi Jinping e Vladimir Putin durante encontro em 2019 (Foto: www.kremlin.ru/Divulgação)

As datas de alguns eventos-chave na invasão ajudam a fortalecer as suspeitas de que Moscou atendeu a um pedido de Beijing para adiar o ataque. Em 21 de fevereiro, um dia após o encerramento dos Jogos, Putin ordenou que tropas russas ingressassem nas regiões separatistas de Donetsk e Luhansk, cujas independências haviam acabado de ser reconhecidas pelo Kremlin. A invasão em larga escala da Ucrânia aconteceu no dia 24 de fevereiro.

Para funcionários estatais dos EUA e da Europa, é difícil acreditar que seja apenas coincidência o fato de a Rússia não ter invadido até que os Jogos de Inverno tivessem acabado. Outro ponto importante: o ataque russo à Geórgia, em 2008, ocorreu justamente no meio dos Jogos Olímpicos de Verão daquele ano, que igualmente ocorreram em Beijing. Aquilo irritou o governo chinês à época.

De acordo com a inteligência britânica, a decisão da Rússia de acatar o pedido da China deve-se muito ao fato de que, com as sanções que o Ocidente prometia impor em caso de um ataque, Moscou tinha consciência de que se tornaria muito dependente do parceiro, sobretudo em termos econômicos. Assim, achou melhor não irritar Xi.

Antes de a Rússia atacar a Ucrânia, Washington ainda negociou com Beijing para que desse suporte nas negociações de paz, a fim de a evitar a invasão. Posteriormente, a inteligência norte-americano soube que a China relatou tais negociações a Moscou e as classificou como uma tentativa do Ocidente de desestabilizar as relações entre os dois aliados, deixando claro que não iria interferir na questão.

Censura pró-Moscou

Desde o início da guerra, a China tenta se posicionar como neutra. Mas é impossível esconder que tomou partido da Rússia. Por exemplo, a censura chinesa, que regulamenta as mídias sociais do país e determina o que pode ou não ser objeto de debate nas redes, está calando usuários contrários ao conflito. Nos dias posteriores à invasão, foram registrados comentários maciços pró-Moscou nas plataformas locais Weibo, WeChat e TikTok e favoráveis à decisão do presidente Vladimir Putin. Já as publicações em repúdio à guerra ou em defesa da paz foram rapidamente deletadas.

A televisão também sofreu impactos da censura. Durante discurso na abertura dos Jogos Paralímpicos de Inverno em Beijing, no dia 4 de março, o presidente do Comitê Paralímpico Internacional (IPC, na sigla em inglês), Andrew Parsons, pediu paz, trecho que não foi traduzido pela emissora estatal chinesa CCTV. Já expressões como invasão e ataque são proibida. A China adota a expressão “operação militar especial” usada por Moscou.

controle estatal da informação é parte do esforço da China para difundir a ideia de que é um mediador no conflito, ao mesmo tempo em que preserva o discurso de que a Rússia tem o direito de defender seus interesses. A neutralidade chinesa já havia sido manifestada quando o governo local afirmou que não participará das sanções a Moscou e manterá relações normais com os dois países em guerra.

Por que isso importa?

A escalada de tensão entre Rússia e Ucrânia, que culminou com a efetiva invasão russa ao país vizinho no dia 24 de fevereiro, remete à anexação da Crimeia pelos russos, em 2014, e à guerra em Donbass, que começou naquele mesmo ano e se estende até hoje.

O conflito armado no leste da Ucrânia opõe o governo central às forças separatistas das autodeclaradas Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk, que formam a região de Donbass e foram oficialmente reconhecidas como territórios independentes por Moscou. Foi o suporte aos separatistas que Putin usou como argumento para justificar a invasão, classificada por ele como uma “operação militar especial”.

“Tomei a decisão de uma operação militar especial”, disse Putin pouco depois das 6h de Moscou (0h de Brasília) de 24 de fevereiro, de acordo com o site independente The Moscow Times. Cerca de 30 minutos depois, as primeira explosões foram ouvidas em Kiev, capital ucraniana, e logo em seguida em Mariupol, no leste do país, segundo a agência AFP.

Desde o início da ofensiva, as forças da Rússia caminham para tentar dominar Kiev, que tem sido alvo de constantes bombardeios. O governo da Ucrânia e as nações ocidentais acusam Moscou de atacar inclusive alvos civis, como hospitais e escolas, o que pode ser caracterizado como crime de guerra ou contra a humanidade.

Fora do campo de batalha, o cenário é desfavorável à Rússia, que tem sido alvo de todo tipo de sanções. Além das esperadas punições financeiras impostas pelas principais potencias globais, que já começaram a sufocar a economia russa, o país tem se tornado um pária global. Representantes russos têm sido proibidos de participar de grandes eventos em setores como esporte, cinema e música.

De acordo com o presidente dos EUA, Joe Biden, as punições tendem a aumentar o isolamento da Rússia no mundo. “Ele não tem ideia do que está por vir”, disse o líder norte-americano, referindo-se ao presidente russo Vladimir Putin. “Putin está agora mais isolado do mundo do que jamais esteve”.

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