Zachary Noah Piser, um astro da Broadway nativo de San Francisco, nos Estados Unidos, e de ascendência chinesa, deixou misteriosamente o papel principal do musical Tiananmen: A New Musical, que estreia em outubro em Phoenix, Estado norte-americano do Arizona. O espetáculo aborda um tema censurado pelo governo chinês, o Massacre da Praça da Paz Celestial de 1989. As informações são da rede CNN.
O que chama a atenção é a forma abrupta como se deu o anúncio de Piser. Ele fez um curto post no Instagram: “Eu me retirei do musical Tiananmen”, diz o texto, que tem a suposta assinatura dele e a data de 25 de agosto.
Ainda mais intrigante é o fato de que a desistência se deu quando o astro visitava a China, apresentando sucessos da Broadway em várias cidades do país ao lado de outros artistas norte-americanos.

Piser não deu maiores detalhes sobre o que o levou a desistir do espetáculo, mas o empresário dele disse que a decisão está atrelada a “diferenças criativas”. É inevitável, entretanto, associar a decisão a uma possível pressão do governo chinês, que censura fortemente o tema.
O trágico evento retratado pelo musical ocorreu em 4 de junho 1989, quando o Partido Comunista Chinês (PCC) reprimiu violentamente manifestações pró-democracia que se concentraram na Praça da Paz Celestial, Tiananmen para os chineses, em Beijing.
Na ocasião, milhares de estudantes e trabalhadores haviam se reunido para lamentar a morte do secretário-geral do PCC, Hu Yaobang. Porém, a marcha pacífica logo se transformou em um movimento por maior transparência, reformas e democracia na China.
O exército foi mobilizado e dispersou a multidão com armas de fogo e tanques de guerra, considerando a manifestação popular uma ameaça ao poder do partido. Números oficiais de mortos e feridos nunca foram divulgados, vez que o governo chinês tornou o assunto proibido no país. Porém, dados levantados pelo governo britânico e reproduzidos pela BBC apontam cerca de dez mil vítimas fatais.
Desde então, o PCC colocou uma pedra sobre o assunto, e qualquer tentativa de relembrar o ocorrido é reprimida com violência. A censura atingiu inclusive Hong Kong, hoje território chinês, onde a vigília anual pelas vítimas do Massacre foi proibida e levou à prisão de ativistas.
Wuer Kaixi, líder estudantil nos protestos da Praça da Paz Celestial e consultor criativo do musical, que hoje vive em Taiwan, opinou sobre a decisão de Piser. “Acredito que a razão para a sua retirada não é a ‘diferença criativa’, mas simplesmente o medo. Ele foi pressionado pelas autoridades chinesas”, disse.
O dissidente, que pertence à minoria étnica dos uigures, hoje alvo de perseguição do governo chinês acrescentou: “Depois de 30 anos censurando qualquer informação sobre a Praça da Paz Celestial, o governo chinês hoje ainda tem muito medo de mencionar a atrocidade que cometeu”.
Apesar da saída do astro, o musical será apresentado normalmente, segundo o produtor Jason Rose. “Essa história precisa ser contada e será contada. A censura e a pressão não vencerão. É nossa celebração de bravura para os amantes da liberdade”, disse ele.