China lança dura campanha de repressão contra os uigures que deve se estender por cem dias

Ação em Xinjiang reprime reuniões de mais de 30 pessoas, coincidindo com aniversário de violência étnica em 2009

Em sua mais recente campanha de repressão em Xinjiang, as autoridades chinesas passaram a proibir qualquer encontro com mais de 30 pessoas, dando início a uma onda de medidas autoritárias que terá duração de cem dias. A imprensa local e dois policiais da região confirmam que o principal alvo dessa repressão são os uigures, uma comunidade predominantemente muçulmana que vive província no noroeste da China. As informações são da rede Radio Free Asia.

Esse tipo de operação de ataque ao patrimônio cultural uigur ocorre com frequência em Xinjiang. O trabalho policial consiste em incursões nas residências dos muçulmanos, bem como em imposições de restrições às práticas islâmicas e limitações à preservação da cultura e língua desse grupo étnico minoritário.

No dia 3 de julho, notícias sobre o início da recente campanha surgiram no TikTok, revelando sua implementação na prefeitura de Hotan, situada ao sul de Xinjiang. Conforme relatado pela mídia chinesa, o Departamento de Segurança Pública daquela região conduzirá uma série de operações de verão, programadas para ocorrer entre 25 de junho e 30 de setembro, com o propósito de assegurar a segurança na área.

Polícia chinesa em ação (Foto: David Gray/Creative Commons)

Em Urumqi, a capital da Região Autônoma Uigur de Xinjiang, e Korla, sua segunda maior cidade, anúncios da campanha de cem dias foram transmitidos por outros meios de comunicação. Além disso, informações sobre a operação também foram encontradas nos sites governamentais de todas as prefeituras da província.

As agências locais de segurança pública estão conduzindo a ação em suas respectivas áreas, focando em combater crimes que ameacem a ordem pública, conforme relatado pela mídia chinesa.

As atividades ilegais visadas incluem incitação de problemas, envolvimento em brigas de grupo, intimidação pública, chantagear, monopolizar o mercado, participar de reuniões ilegais e disseminar boatos com intenções maliciosas. Além disso, também serão alvo das autoridades as “máfias ilegais e organizações criminosas”.

Entre as atividades descritas como “ilegais” estão assistir a conteúdo proibido ou compartilhá-lo.

Segundo um oficial de polícia ouvido pela reportagem, a leitura do Alcorão, texto religioso central do Islã, só é permitida sob a orientação de um imã designado pelo governo. Além disso, é proibido que indivíduos discutam o livro sagrado por conta própria.

Para visitantes estrangeiros que chegam a Xinjiang, incluindo aqueles que vão visitar parentes, é obrigatório se apresentar aos comitês de bairro ou às delegacias de polícia locais dentro de três dias após a chegada; caso contrário, enfrentarão ação policial.

Genocídio cultural

A atual repressão coincide com o aniversário politicamente sensível da violência étnica ocorrida em Urumqi, em 5 de julho de 2009.

De acordo com dados oficiais da China, cerca de 200 pessoas morreram e 1,7 mil ficaram feridas em três dias de confrontos violentos entre a minoria étnica uigures e os chineses han.

Essa repressão em Urumqi desencadeou uma série de ações do governo chinês para sufocar a cultura, língua e religião uigures, através de medidas como vigilância em massa e campanhas de internamento.

Omir Bekali, um uigur de ascendência cazaque, que passou nove meses em campos de “reeducação” em Xinjiang por alegações de atividades terroristas, destaca que por trás das medidas repressivas do Partido Comunista Chinês (PCC) existem questões não explícitas significativas.

Ele afirmou que as políticas atuais do governo chinês na região podem ser interpretadas como uma forma de “genocídio étnico e cultural”.

“As autoridades justificam submeter os uigures a danos físicos e psicológicos como medidas necessárias para manter a estabilidade social”, disse.

Perseguição

O “ataque duro” refere-se a uma campanha governamental que visa impor medidas rigorosas e repressivas, geralmente com uma abordagem mais agressiva e intensa, para lidar com determinados problemas ou grupos considerados ameaças pelo governo.

No caso específico de Xinjiang, as campanhas de “strike hard” têm sido conduzidas pelas autoridades chinesas como uma estratégia para reprimir e controlar a população uigur. Essas campanhas incluem ações como prisões em massa, incursões policiais em residências, restrições à liberdade religiosa e cultural, além de outras medidas que visam restringir e assimilar a cultura e a identidade uigur à cultura dominante chinesa.

Tais políticas têm sido alvo de críticas e condenações internacionais por violações dos direitos humanos e discriminação étnica.

Por que isso importa?

A província de Xinjiang faz fronteira com países da Ásia Central, com quem divide raízes linguísticas e étnicas. Ali vive a comunidade uigur, uma minoria muçulmana de raízes turcas que sofre perseguição do governo chinês, com acusações de abusos diversos.

Os uigures, cerca de 11 milhões, enfrentam discriminação da sociedade e do governo chinês e são vistos com desconfiança pela maioria han, que responde por 92% dos chineses. Denúncias dão conta de que Beijing usa de tortura, esterilização forçada, trabalho obrigatório e maus tratos para realizar uma limpeza étnica e religiosa em Xinjiang.

Em agosto de 2022, a ONU divulgou um aguardado relatório que fala em “graves violações dos direitos humanos” cometidas em Xinjiang. O documento destaca “padrões de tortura ou maus-tratos, incluindo tratamento médico forçado e condições adversas de detenção”, bem como “alegações de incidentes individuais de violência sexual e de gênero”.

O relatório, porém, não citou a palavra “genocídio” usada por alguns países ocidentais. O governo do presidente Joe Biden, dos EUA, foi o primeiro a usar o termo para descrever as ações da China em relação aos uigures. Em seguida, Reino Unido e Canadá também passaram a usar a designação, e a Lituânia se juntou ao grupo mais recentemente.

A China nega as acusações de que comete abusos em Xinjiang e diz que as ações do governo na região têm como finalidade a educação contraterrorismo, a fim de conter movimentos separatistas e combater grupos extremistas religiosos que eventualmente venham a planejar ataques terroristas no país. Beijing costuma classificar as denúncias como “a mentira do século”.

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