ONG sofreu pressão chinesa para cancelar prêmio a ativista presa em Hong Kong

Fundação 18 de Maio, de Seul, decidiu não atender à demanda de Beijing e homenageará Chow Hang-tung, presa desde 2021

Uma ONG da Coreia do Sul revelou que sofreu pressão política da China para voltar atrás na decisão de conceder um prêmio humanitário à advogada, ativista pró-democracia e defensora dos direitos humanos Chow Hang-tung, presa pelas autoridades de Hong Kong desde setembro de 2021. As informações são da rede Radio Free Asia (RFA).

A Fundação 18 de Maio, sediada em Seul, disse que três representantes da missão consular chinesa na Coreia do Sul visitaram a entidade na tentativa de persuadi-la a mudar o vencedor do Prêmio Gwangju de Direitos Humanos de 2023, anunciado no dia 2 de maio.

Chow Hang-tung, ativista presa em Hong Kong com base na lei de segurança nacional (Foto: Facebook)

“O governo chinês pensa que Chow Hang-tung é uma das pessoas que infringiu a lei”, disse Bo Hyung Kim, membro da Fundação. “Eles acham que ela é uma das criminosas, não uma ativista que luta pela democracia ou pelos direitos humanos”.

A advogada, presa em 8 de setembro de 2021, era membro da Hong Kong Alliance, grupo que organizava uma vigília para relembrar os protestos na Praça das Paz Celestial, em Beijing, ocorridos em 1989 e reprimidos com enorme violência pelas autoridades chinesas.

A vigília, realizada sempre no dia 4 de junho, foi proibida pelo governo chinês inicialmente sob alegações referentes à Covid-19, devido ao risco de contágio em virtude da aglomeração. Posteriormente, a lei de segurança nacional passou a ser usada contra os organizadores e participantes, e a manifestação pacífica não mais foi realizada.

Dezenas de pessoas foram julgadas pela participação na vigília, sendo que a maioria se declarou culpada na tentativa de receber uma pena mais branda. Chow, entretanto, se recusou, argumentando desde o início que não cometeu crime algum. Ela continua presa e incomunicável, e a última declaração pública dela data de dezembro de 2021.

“Tudo o que está acontecendo em Hong Kong é um alerta para o mundo, mostrando a velocidade com que o totalitarismo pode destruir uma sociedade livre e aberta e redirecionar os sistemas e leis originários de uma sociedade democrática como ferramentas de repressão política”, disse ela quando já cumpria pena.

Ao anunciar o prêmio, a ONG disse que, embora não tenha entrado em contato com a ativista, ela está “resistindo ao tratamento antidemocrático e anti-direitos humanos do governo de Hong Kong, mesmo enquanto detido, e dando coragem e esperança a ativistas de direitos humanos e cidadãos que aspiram a uma sociedade democrática em todo o mundo.”

Diante da pressão chinesa, a Fundação disse que consultou seus funcionários sobre a possibilidade de conceder o prêmio a outra pessoa. A decisão, unânime, foi a de manter Chow como a homenageada.

Por que isso importa?

Após a transferência de Hong Kong do domínio britânico para o chinês, em 1997, o território passou a operar sob um sistema mais autônomo e diferente do restante da China. Apesar da promessa inicial de que as liberdades individuais seriam respeitadas, a submissão a Beijing sempre foi muito forte, o que levou a protestos em massa por independência e democracia em 2019.

A resposta de Beijing aos protestos veio com autoritarismo, representado pela lei de segurança nacional, que deu ao governo de Hong Kong poder de silenciar a oposição e encarcerar os críticos. A normativa legal classifica e criminaliza qualquer tentativa de “intervir” nos assuntos locais como “subversão, secessão, terrorismo e conluio”. Infrações graves podem levar à prisão perpétua.

No final de julho de 2021, um ano após a implementação da lei, foi anunciado o primeiro veredito de uma ação judicial baseada na nova normativa. Tong Ying-kit, um garçom de 24 anos, foi condenado a nove anos de prisão sob as acusações de praticar terrorismo e incitar a secessão.

O incidente que levou à condenação ocorreu em 1º de julho de 2020, o primeiro dia em que a lei vigorou. Tong dirigia uma motocicleta com uma bandeira preta na qual se lia “Liberte Hong Kong. Revolução dos Nossos Tempos”, slogan usado pelos ativistas antigoverno nas manifestações de 2019.

Os críticos ao governo local alegam que os direitos de expressão e de associação têm diminuído cada vez mais, com o aumento da repressão aos dissidentes graças à lei. Já as autoridades de Hong Kong reforçam a ideia de que a normativa legal é necessária para preservar a estabilidade do território

Reino Unido, por sua vez, entende que ela viola o acordo estabelecido quando da entrega do território à China. Isso porque havia a promessa de que as liberdade individuais, entre elas eleições democráticas, seriam preservadas por ao menos 50 anos. Metade do tempo se passou, e Beijing não cumpriu sua parte no acordo. Muito pelo contrário.

Nos últimos anos, os pedidos por democracia foram silenciados, a liberdade de expressão acabou e a perspectiva é de que isso se mantenha por um “longo prazo”. Nas palavras do presidente chinês Xi Jinping, “qualquer interferência deve ser eliminada”.

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