China proíbe práticas espirituais em tradicional festival: ‘Superstições feudais’

País se prepara para o Festival dos Fantasmas, celebração com aspectos religiosos que recorda e homenageia os antepassados

Anualmente, na 15ª noite do sétimo mês do calendário chinês, celebra-se na China o Festival dos Fantasmas, tradição com aspectos religiosos para relembrar e homenagear os antepassados. Em 2023, o Mês dos Fantasmas vai de 16 de agosto a 14 de setembro. Os festejos, porém, têm sido diferentes, pois muitos governos regionais recomendaram à população que evite algumas práticas tradicionais, parte da repressão religiosa no país. As informações são da rede Radio Free Asia (RFA).

Uma das tradições que o governo reprimiu neste ano é a queima de dinheiro espiritual, que consiste em queimar artefatos de papel que lembram dinheiro, como uma oferenda aos espíritos dos antepassados. Os chineses também têm o hábito de fazer oferendas de comida e bebida e acender incenso e velas flutuantes dentro de copos.

“Devemos resistir conscientemente às atividades de adoração com superstições feudais, quebrar velhos hábitos como queimar dinheiro espiritual, disparar fogos de artifício e deixar oferendas”, disse o governo do condado de Yongren, na província de Yunnan, em aviso publicado no dia 20 de agosto em seu site.

Celebração do Festival dos Fantasmas na China em 2019 (Foto: WkikiCommons)

Em algumas regiões, os cidadãos foram aconselhados a fazer suas oferendas através da internet, por exemplo no aplicativo WeChat. Em outras, a sugestão é para que a população faça suas celebrações somente dentro de casa, evitando espaços públicos.

Para muitos chineses, porém, a tradição deve ser mantida. É, na crença deles, uma forma de oferecer aos espíritos dinheiro e alimentos que também são necessários para ter certo conforto na vida após a morte.

“O governo municipal se envolve em coisas que não deveria, indiscriminadamente”, disse Jiang Jiawen, residente da província de Liaoning. “Eles destruíram o legado deixado pelos nossos antepassados.”

Segundo ele, a população não seguirá as recomendações e respeitará as tradições, mesmo que para isso tenha que se esconder das autoridades. “As pessoas não gostam disso e se levantam secretamente para queimar ofertas à noite ou logo pela manhã”, afirmou.

Membros do Partido Comunista Chinês (PCC), que são formalmente proibidos de seguir uma religião, foram aconselhados a liderar a mudança de hábitos no Mês dos Fantasmas, atuando para “mudar as ideias das pessoas, romper com as más tradições e iniciar uma nova tendência.”

A repressão a tais práticas espirituais acompanha as novas regras religiosas impostas pelo governo, que entram em vigor nesta sexta-feira (1º). A partir de agora, mosteiros, templos, mesquitas, igrejas e outros centros religiosos são obrigados a manifestar apoio à liderança do PCC, conforme o plano do presidente Xi Jinping de “sinicização” da atividade religiosa.

Por que isso importa?

O processo de “sinicização” da fé de Xi Jinping levou Beijing a intensificar o controle sobre a religião. No início de dezembro de 2021, no Encontro Nacional Sobre Assuntos Religiosos do PCC, o líder chinês deixou clara a intenção de colocar a religião sob o guarda-chuva da sigla.

“Devemos manter o trabalho religiosos na direção essencial do partido. Devemos continuar a direcionar nosso país para a sinicização da religião. Devemos continuar a pegar o grande número de crentes religiosos e uni-los em torno do partido e do governo”, disse o líder nacional no evento.

O principal expoente do desafio que os fieis enfrentam na China é a etnia muçulmana dos uigures, que habitam a região autônoma de Xinjiang, no noroeste do país, fazendo fronteira com nações da Ásia Central, com quem divide raízes étnicas e linguísticas.

Em agosto de 2022, a ONU (Organização das Nações Unidas) divulgou um aguardado relatório que fala em “graves violações dos direitos humanos” cometidas em Xinjiang. O documento destaca “padrões de tortura ou maus-tratos, incluindo tratamento médico forçado e condições adversas de detenção”, bem como “alegações de incidentes individuais de violência sexual e de gênero”.

O governo chinês refuta as acusações e classifica como “campos de reeducação” as áreas onde vivem milhões de uigures. O argumento para isolar e vigiar a etnia muçulmana é o da “segurança nacional”, sob a justificativa de evitar a radicalização dos fiéis. Entretanto, para os governos de determinados países ocidentais, como Reino UnidoEstados Unidos e Canadá, a ação da China configura “genocídio”.

Outras religiões, porém, não escapam da perseguição estatal. Em maio do ano passado, o papa Francisco disse que acompanha “atenta e ativamente a vida e as situações muitas vezes complexas dos fiéis e dos pastores” na China.

“Convido todos vocês a se unirem nesta oração para que a Igreja na China, em liberdade e tranquilidade, viva em efetiva comunhão com a Igreja universal e exerça sua missão de anunciar o Evangelho a todos, e assim oferecer um contribuição positiva para o progresso espiritual e material da sociedade também”, disse o líder católico na ocasião.

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