Documentos vazados mostram como a Rússia se preparou para eventual invasão da China

Exercícios militares feitos entre 2008 e 2014 projetaram um ataque de Beijing para conquistar território e recursos russos

A Rússia realizou, entre 2008 e 2014, uma série de exercícios militares simulando uma invasão por parte da China, com quem hoje alega ter uma parceria “sem limites”. A revelação foi feita na quinta-feira (29) pelo jornal Financial Times, com base em documentos confidenciais vazados das Forças Armadas de Moscou.

O material evidencia o temor russo de uma invasão chinesa e indica que vários cenários foram pensados para se defender da agressão, inclusive com um contra-ataque nuclear. Embora as referências geográficas não deixem dúvida de que Rússia e China são os personagens centrais dos documentos, os exercícios adotam nomenclaturas fictícias para os países envolvidos: Dasínia, do lado chinês, e Federação do Norte, do lado russo.

Em um dos cenários, Beijing adotaria em uma operação híbrida que guarda semelhanças com a atual guerra da Ucrânia. Acusaria Moscou de genocídio contra a população migrante chinesa, desestabilizaria o inimigo com protestos populares realizados por falsos manifestantes pagos pelo regime comunista e usaria sabotadores para comprometer a infraestrutura crítica russa.

Presidentes da China, Xi Jinping e da Rússia, Vladimir Putin, em Moscou, março de 2023 (Foto: Kremlin)

Outro exercício, de 2014, sugere que o conflito teria início a partir da ascensão de “uma nova geração de líderes nacionalistas” na China, mais uma situação que remete aos argumentos russos para justificar a agressão a Kiev. Com esses novos governantes no poder, o que parecia uma aproximação entre os dois países se transformaria em tensão por questões comerciais, conforme os chineses passassem a exigir preços excessivamente vantajosos na aquisição de combustíveis russos.

Curiosamente, esta foi uma questão que de fato estremeceu as relações entre os aliados. Em outubro do ano passado, uma estatal de energia russa passou a limitar o fornecimento de eletricidade para a China após o parceiro se recusar a pagar tarifas mais altas. Um representante da companhia chegou a ameaçar cortar completamente o fornecimento, mas o caso foi contornado. 

Thomas O’Donnell, analista de geopolítica e energia baseado em Berlim e membro do think tank Wilson Center, explicou na oportunidade que Beijing conseguiu vantagens comerciais significativas ao pressionar Moscou quando esta enfrentava dificuldades para exportar petróleo e gás devido às sanções ocidentais, o que resultou em preços favoráveis à China.

De volta à simulação, a Rússia imaginou que o desacerto comercial fictício levaria a China a iniciar a preparação para uma guerra, com uma invasão começando pelo Cazaquistão. O objetivo final seria dominar totalmente o extremo leste do território russo e usá-lo como uma colônia para extração de recursos, bem como para melhor acomodar a grande população chinesa.

Parceria “sem limites”

A perspectiva de um conflito parece hoje absurda, dada a aliança entre as duas nações. Em fevereiro de 2022, pouco antes do início da guerra na Ucrânia, os presidentes da Rússia, Vladimir Putin, e da China, Xi Jinping, anunciaram uma parceira “sem limites”, que vem se fortalecendo mesmo ante ao risco de Beijing sofrer sanções por apoiar o aliado no conflito europeu.

Embora os exercícios tenham se encerrado em 2014, bem antes do anúncio de Xi e Putin, ele chegou a ser realizado quando ambos governavam seus países e iniciavam uma aproximação. O líder chinês chegou ao poder em 2013, enquanto o russo ocupa o Kremlin desde 2000, com um hiato de quatro anos entre 2008 e 2012, quando foi primeiro-ministro no governo de Dmitri Medvedev.

A proximidade entre os dois levou o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, a dizer que “duvida fortemente” da veracidade dos documentos, enquanto o Ministério das Relações Exteriores chinês afirmou que ambos estabeleceram uma “amizade eterna” e que a “teoria de ameaça não encontra mercado na China e na Rússia.”

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