Em decisão ‘histórica’, corte europeia veta extradição de taiwanês para a China

Graças à sentença, torna-se quase impossível que outros países europeus venham a atender a pedidos semelhantes de Beijing

A Corte Europeia de Direitos Humanos (CEDH) rejeitou recentemente o pedido de extradição feito por Beijing de um cidadão taiwanês acusado de fraudes telefônicas. A decisão abre um importante precedente na luta global contra a repressão imposta pela China a dissidentes e minorias étnicas mesmo vivendo no exterior. As informações são do jornal Taipei Times.

A extradição havia sido autorizada pela Justiça polonesa, e então o homem recorreu à corte europeia, com a decisão favorável a ele anunciada em 6 de outubro. Após a recusa da CEDH em extraditar Liu Hong-tao, que vive atualmente na Polônia, Taiwan já solicitou ao governo polonês que permita a repatriação do indivíduo, com base em um acordo entre os dois governos firmado em 2021.

Liu vivia na Espanha até que o governo local realizou uma grande operação e prendeu 269 pessoas, sendo 219 taiwaneses, que Beijing acusava de envolvimento em um grande esquema de fraudes telefônicas que supostamente gerou prejuízos ao governo da China. Então, ele fugiu para a Polônia, onde teve início a batalha judicial para não ser entregue às autoridades chinesas.

Corte Europeia de Direitos Humanos (Foto: WikiCommons)

A sentença da CEDH foi classificada como “histórica” pela ONG de direitos humanos Safeguard Defenders. “Esta importante decisão provavelmente significará que os países europeus acharão quase impossível extraditar suspeitos para a China novamente”, disse a entidade.

A ONG destaca que a CEDH “é um instrumento judiciário internacional juridicamente vinculativo e vai mais longe do que tratados internacionais semelhantes”. Assim, “o veredito deve orientar as decisões judiciais de todos os países europeus locais sobre extradição para a China no futuro”.

Diferente de muitos indivíduos envolvidos em casos semelhantes, Liu não pertence a uma minoria religiosa ou étnica, nem é um dissidente político ou crítico aberto da China. Ainda assim, pessoas nessas condições tendem a ser as mais beneficiadas pela decisão, pois são os principais alvos de perseguição do governo chinês.

Por se tratar de uma decisão juridicamente vinculativa, um de seus efeitos imediatos é o de que todos os pedidos de extradição atuais na Europa para a China que estão sendo processados ​​devem ser negados. Mesmo os casos que foram aprovados para extradição, mas ainda não foram executados, devem ser interrompidos.

Marcin Gorski, advogado polonês que defendeu o réu, disse que o fato de a decisão ter sido unânime reduz a probabilidade de a Polônia ou outros Estados recorrerem do veredito.

Perseguição o exterior

Em setembro deste ano, a Safeguard Defenders publicou um estudo afirmando que o Partido Comunista Chinês (PCC) opera ao menos 54 “centros de serviço” em 30 países dos cinco continentes, inclusive no Brasil. Embora eles sirvam essencialmente para atender a residentes e turistas chineses com questões administrativas, têm sido usados também para assediar cidadãos chineses e convencê-los a retornar a seu país.

Na maioria dos casos, os centros somente operam um sistema online que coloca o cidadão em contato com as autoridades na China, que os ameaçam em conversas pelo aplicativo WeChat. Porém, há casos registrados de envolvimento ativo dos centros no rastreamento e na perseguição de alvos em países estrangeiros.

Conforme os dados da ONG, entre abril de 2021 e julho de 2022, 230 mil chineses “foram devolvidos para enfrentar possíveis acusações criminais na China por meio desses métodos, que geralmente incluem ameaças e assédio contra membros da família em casa ou diretamente contra o alvo no exterior, seja por meio online ou físico”.

Para todos os efeitos, o governo chinês alega que os 230 mil repatriados são acusados de algum crime, como ocorreu com Liu. Para convencer os indivíduos a aceitar voluntariamente a ideia de voltar à China e responder legalmente, são adotados métodos abusivos. “Um desses métodos, descrito na documentação oficial, é negar aos filhos do suspeito ainda na China o direito à educação”, diz o relatório.

Em outros casos, parentes aparecem no vídeo ao lado de autoridades chinesas e atuam para convencer o cidadão a retornar. “Os familiares que se recusam a ajudar a polícia em operações de ‘persuasão’ podem ser punidos”, segundo o documento.

Recentemente, alguns desses centros entraram na mira de governos europeus. A Irlanda desativou um deles em outubro, com França, Alemanha, Holanda e Portugal investigando o caso. O Chile, na América do Sul, também analisa a questão. Embora receba dois desses “centros de serviço”, um em São Paulo e outro no Rio de Janeiro, o Brasil não surge no relatório como tendo registrado qualquer caso de assédio.

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