Em Hong Kong, Disney exclui episódio de Os Simpsons que cita trabalho forçado

Situação semelhante foi registrada em 2021, quando outro capítulo da série foi apagado por ironizar a repressão chinesa

A Disney excluiu de sua plataforma de streaming em Hong Kong um episódio do desenho animado “Os Simpsons” que faz referência ao trabalho forçado na China. O tema é especialmente delicado no país asiático devido às acusações de que a minoria étnica dos uigures é alvo de uma série de abusos, entre eles o trabalho forçado, na região chinesa de Xinjiang. As informações são do jornal Financial Times.

O episódio, que ainda não está disponível no streaming do Brasil, é o segundo da 34ª temporada, a mais recente da série, que foi ao ar pela primeira vez em outubro de 2022 nos EUA. Nele, Marge Simpson, a mãe da família, faz uma aula virtual de bicicleta ergométrica em frente a um cenário que exibe a Grande Muralha da China. O instrutor, então, diz: “Eis as maravilhas da China: mineração de bitcoins, campos de trabalhos forçados onde crianças fazem smartphones e romance”.

Homer Simpson na China, em episódio da 16ª temporada do desenho (Foto: reprodução de vídeo)

Situação semelhante foi registrada em 2021, quando o serviço de streaming da Disney na China excluiu um episódio que cita o Massacre da Praça da Paz Celestial de 1989, tema proibido pelo repressor governo de Xi Jinping.

O episódio em tela, o 12º da 16ª temporada, foi veiculado pela primeira vez em 2005 e mostrava a família na China para adotar um bebê. Ao visitar o palco do massacre, uma grande placa ironizava a censura imposta pelo governo chinês ao tema: “Neste local, em 1989, nada aconteceu”. Já Homer Simpson, ao visitar o túmulo de Mao Tsé-Tung, diz: “Parece um anjinho que matou 50 milhões de pessoas”.

Escravidão moderna

Nos últimos anos, os campos de trabalho forçado tornaram-se uma tema delicado para o governo chinês. Um relatório divulgado pela ONU (Organização das Nações Unidas) em agosto de 2022, assinado pelo relator especial Tomoya Obokata, ratificou a denúncia global de que Beijing submete os uigures a uma “escravidão moderna“.

No mês seguinte, o aguardado relatório da então alta comissária da ONU Michelle Bachelet reforçou a acusação de abusos. O documento foi fruto de uma visita histórica que ela fez a Xinjiang em maio de 2022, com a missão de investigar as alegações feitas ao longo dos últimos anos por grupos de direitos humanos.

“A extensão da detenção arbitrária e discriminatória de membros uigures e de outros grupos predominantemente muçulmanos, de acordo com a lei e a política, no contexto de restrições e privação mais geral dos direitos fundamentais desfrutados individual e coletivamente, pode constituir crimes internacionais, em particular crimes contra a humanidade”, disse Bachelet no relatório de 48 páginas.

No caso específico do episódio removido pela Disney nesta semana, não está claro se a empresa agiu por conta própria ou se atendeu a um pedido de Beijing. Em resposta ao Financial Times, o governo de Hong Kong disse apenas que a censura imposta a filmes considerados uma “ameaça à segurança nacional”, em vigor desde 2021, não se aplica aos serviços de streaming.

Por que isso importa?

A comunidade uigur é uma minoria muçulmana de raízes turcas que habita a região autônoma de Xinjiang, no noroeste da China. A província faz fronteira com países da Ásia Central, com quem divide raízes étnicas e linguísticas.

Os uigures, cerca de 11 milhões, enfrentam discriminação da sociedade e do governo chinês e são vistos com desconfiança pela maioria han, que responde por 92% dos chineses. Denúncias dão conta de que Beijing usa de tortura, esterilização forçada, trabalho obrigatório e maus tratos para realizar uma limpeza étnica e religiosa em Xinjiang.

Estimativas apontam que um em cada 20 uigures ou cidadãos de minoria étnica já passou por campos de detenção de forma arbitrária desde 2014.

O governo de Joe Biden, nos EUA, foi o primeiro a usar o termo “genocídio” para descrever as ações da China em relação aos uigures. Em seguida, Reino Unido e Canadá também passaram a usar a designação, e mais recentemente a Lituânia se juntou ao grupo.

A China nega as acusações de que comete abusos em Xinjiang e diz que as ações do governo na região têm como finalidade a educação contraterrorismo, a fim de conter movimentos separatistas e combater grupos extremistas religiosos que eventualmente venham a planejar ataques terroristas no país.

O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China Zhao Lijian afirma que o trabalho forçado uigur é “a maior mentira do século”. “Os Estados Unidos tanto criam mentiras quanto tomam ações flagrantes com base em suas mentiras para violar as regras do comércio internacional e os princípios da economia de mercado”, disse ele.

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