Enquanto os EUA tentam conter o avanço chinês na Ásia-Pacífico, Beijing ganha força nas Américas

General das forças armadas norte-americanas cita presença chinesa em redes 5G como um dos problemas que Washington precisa solucionar

O governo da China vem ganhando cada vez mais força nas Américas, e sua zona de influência já se estende até muito perto dos Estados Unidos. Enquanto Washington parece se preocupar mais com o avanço chinês na região da Ásia-Pacifico, Beijing aproveita para conquistar aliados no tradicional “quintal” norte-americano. O alerta foi feito pela general Laura Richardson, chefe do Comando Sul (Southcom, na sigla em inglês) das forças armadas dos EUA, que falou à revista Newsweek.

Entre as ferramentas de influência da China, Richardson destaca a Nova Rota da Seda (BRI, na sigla em inglês, de Belt And Road Initiative), uma iniciativa lançada pelo presidente Xi Jinping para financiar obras de infraestrutura no exterior.

Um episódio recente ilustra as declarações da militar norte-americana: a adesão da Argentina à BRI, no início de 2022. A parceria prevê, entre outras coisas, o uso de tecnologia chinesa na rede 5G argentina, o que levou a oposição local a se manifestar, alertando para o risco de ciberespionagem por Beijing.

Xi Jinping: China ataca em duas frentes, na Ásia-Pacífico e nas Américas (Foto: UN Geneva/Flickr)

Richardson tocou nesse ponto na entrevista. “Se você já possui uma rede 3G ou 4G, é claro que a RPC (República Popular da China) oferecerá um desconto ou uma atualização quase gratuita para 5G. E, certamente, eles desejam assumir a rede do governo”, declarou.

Segundo ela, a presença de equipamentos chineses em uma rede governamental limitaria a atuação dos EUA no país em questão, devido ao risco de extração de informações confidenciais. “Então não seremos capazes de fazer parceria em termos de compartilhamento de informações e algumas das operações que são feitas digitalmente e eletronicamente.”

Isso ocorre porque os fornecedores chineses de equipamentos de telecomunicações enfrentam crescente desconfiança global na construção de redes 5G, com sua presença rejeitada em vários países. A Huawei é o principal alvo de suspeitas, com AustráliaNova ZelândiaCanadá, Estados Unidos e Reino Unido tendo banido a fabricante por medo de que a China possa usá-la para espionagem

A desconfiança é baseada na suposta proximidade das companhias do setor com o governo chinês. Autoridades ocidentais citam a Lei de Inteligência Nacional da China, de 2017, segundo a qual as empresas nacionais devem “apoiar, cooperar e colaborar com o trabalho de inteligência nacional”, o que poderia forçar as gigantes da telefonia a trabalhar a serviço do Partido Comunista Chinês (PCC).

Em março de 2022, o pesquisador Weifeng Zhong reforçou as suspeitas, citando a empresa de tecnologia Huawei como protagonista. “Está cada vez mais claro que a Huawei não está apenas disposta a ajudar as autoridades governamentais com vigilância, mas também encontrou uma maneira de seus equipamentos de telecomunicações fazerem exatamente isso.”

Para evitar que o problema se alastre no “quintal dos EUA”, a militar cobra uma atuação mais incisiva de Washington e seus aliados. “Precisamos ter opções melhores, opções ocidentais, com certeza. Porque queremos que nossos parceiros tenham outras opções além das do país comunista, oferecendo atualizações quase baratas para a infraestrutura de 5G.”

O problema, diz ela, se estende para a questão dos direitos humanos, com o governo chinês ampliando cada vez mais seu sistema de repressão digital, que silencia dissidentes e os submete à vigilância estatal absoluta, inclusive fora da China. E cada vez mais o PCC, que já utiliza tal prática de forma extensiva dentro do país, tem conseguido fazer o mesmo no exterior.

“Com os backdoors (portas dos fundos, em tradução literal) nas redes governamentais, isso se torna um desafio”, afirmou, referindo-se à brecha de segurança que, se implantada em sistemas governamentais através de tecnologia 5G chinesa, permitiria a Beijing extrair dados confidenciais de nações parceiras.

Questionado sobre as alegações da general, o porta-voz da Embaixada da China nos Estados Unidos, Liu Pengyu, defendeu a abordagem chinesa nas Américas. “A China não tem agenda geopolítica na América Latina, não busca construir uma esfera de influência e não participa do chamado jogo estratégico”, disse. “A cooperação China-América Latina atende às necessidades de ambos os lados e não é direcionada nem influenciada por terceiros.”

A apreensão de Richardson, entretanto, não se limita às redes 5G. Segundo ela, mesmo as obras de infraestrutura, principal cartão de visitas da BRI, podem atender a interesses escusos de Beijing. Inclusive militares.

“O que me preocupa é o uso duplo, passando para a aplicação militar, se necessário”, afirmou. “Eles já colocaram suas garras na infraestrutura crítica, e essa é minha maior preocupação como comandante militar e como comandante do Southcom.”

Na visão de Richardson, é possível virar o jogo, pois a China seria apenas uma opção secundária para seus parceiros nas Américas. Mais uma vez, caberia a Washington agir. “Eles (os chineses) estão no Caribe, na América Central, na América do Sul”, afirmou. “Mas todos esses países, exceto Cuba, Venezuela e Nicarágua, querem fazer parceria com os Estados Unidos. Somos o parceiro de escolha, mas nem sempre estamos lá na hora certa.”

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