Ex-jornalistas do extinto jornal Apple Daily continuam reportando das redes sociais

Mesmo com o veículo de Hong Kong fechado há um ano pelo governo chinês, jornalistas desafiam a lei de segurança nacional e seguem fazendo relatos pró-democracia

Um ano após ter suas portas fechadas à força, com vários de seus editores presos, o jornal pró-democracia Apple Daily, de Hong Kong, segue vivo pelas mãos de ex-repórteres. Isso porque os profissionais continuam a escrever reportagens e a publicá-las em suas redes sociais. As informações são da rede Radio Free Asia.

Um deles é o jornalista Alvin Chan, que usa as hashtags #AppleDaily e #keepOnReporting (“continue relatando”) ao disponibilizar a matérias em sua página no Facebook. A mais recente, publicada na quinta-feira (23), mostra um pequeno grupo de pessoas reunidas do lado de fora da sede agora vazia do império de mídia Next Digital, do magnata Jimmy Lai, condenado à prisão por realizar assembleias ilegais.

“Um grupo de ex-repórteres do Apple Daily apareceu ao mesmo tempo do lado de fora do prédio vazio do Next Digital hoje à noite e tirou fotos”, diz o texto de Chan. “Então, de repente, vários veículos da polícia chegaram ao local, com sirenes tocando. Então eles foram embora, deixando outros jornalistas ainda relatando”.

Antiga sede do jornal Apple Daily e Next Digital em Hong Kong, maio de 2021 (Foto: Dvulgação/Tim Wu)

Chan não é o único ex-funcionário do Apple Daily que continua a levar ao público notícias que configurariam violação da lei de segurança nacional imposta à ex-colônia britânica pelo Partido Comunista Chinês (PCC) em 1º de julho de 2020.

Sua ex-colega de jornal Leung Ka Lai iniciou uma página no Patreon, um serviço de financiamento coletivo para artistas e ”criadores”, de onde continua a escrever para sua página no Facebook. Lá, ela disponibiliza entrevistas com lideranças que estiveram à frente dos enormes protestos de 2019 que levaram Beiijing a apertar o controle sobre o território semiautônomo.

“Como eles podem usar métodos tão violentos para eliminar uma organização de mídia?”, questionou a jornalista à reportagem da RFA. “Pensei que eu deveria continuar fazendo o trabalho”.

A jornalista já publicou cerca de 40 reportagens em sua página desde o fechamento do Apple Daily. A maioria do material aborda as consequências do movimento de 2019, dando voz a presos e líderes das manifestações.

“Eles dizem que os manifestantes são um grupo esquecido, mas suas experiências são, na verdade, representativas do espírito daqueles tempos”, disse Leung. “Minha especialidade é fazer perfis aprofundados. Acho muito importante anotar o que aconteceu com eles e preservar seus pensamentos e experiências”.

Leung gosta de fazer uma citação filosófica à lenda das artes marciais Bruce Lee ao falar sobre seu trabalho, usando uma de suas célebres frases: “seja água”, que significa que a pessoa deve “esvaziar a mente” e ser “sem forma”, como o líquido.

“Para ser um ser humano, você precisa de princípios e linhas além das quais você não vai”, disse Leung. “Se a maior lição que o povo de Hong Kong tirou de 2019 foi ‘ser água’, então isso precisa ser integrado à vida cotidiana, não ser apenas um slogan”.

Já Chan, que dedica sua página a relatar o progresso de milhares de casos do movimento de protesto de 2019 no sistema judicial de Hong Kong, disse que os jornalistas escrevem a história de uma época específica. “Então quero preservar a verdade para a próxima geração, incluindo a minha”.

Por que isso importa?

lei de segurança nacional do território semi-autônomo classifica e criminaliza qualquer tentativa de “intervir” nos assuntos locais como “subversão, secessão, terrorismo e conluio”. Infrações graves podem levar à prisão perpétua.

A medida veio na esteira de uma série de protestos contra o aumento do domínio de Beijing sobre Hong Kong. Após a transferência do território dos britânicos para a China, em 1997, a cidade operou sobre um sistema mais autônomo – diferente do restante do país.

 

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