Um ano após ter suas portas fechadas à força, com vários de seus editores presos, o jornal pró-democracia Apple Daily, de Hong Kong, segue vivo pelas mãos de ex-repórteres. Isso porque os profissionais continuam a escrever reportagens e a publicá-las em suas redes sociais. As informações são da rede Radio Free Asia.
Um deles é o jornalista Alvin Chan, que usa as hashtags #AppleDaily e #keepOnReporting (“continue relatando”) ao disponibilizar a matérias em sua página no Facebook. A mais recente, publicada na quinta-feira (23), mostra um pequeno grupo de pessoas reunidas do lado de fora da sede agora vazia do império de mídia Next Digital, do magnata Jimmy Lai, condenado à prisão por realizar assembleias ilegais.
“Um grupo de ex-repórteres do Apple Daily apareceu ao mesmo tempo do lado de fora do prédio vazio do Next Digital hoje à noite e tirou fotos”, diz o texto de Chan. “Então, de repente, vários veículos da polícia chegaram ao local, com sirenes tocando. Então eles foram embora, deixando outros jornalistas ainda relatando”.

Chan não é o único ex-funcionário do Apple Daily que continua a levar ao público notícias que configurariam violação da lei de segurança nacional imposta à ex-colônia britânica pelo Partido Comunista Chinês (PCC) em 1º de julho de 2020.
Sua ex-colega de jornal Leung Ka Lai iniciou uma página no Patreon, um serviço de financiamento coletivo para artistas e ”criadores”, de onde continua a escrever para sua página no Facebook. Lá, ela disponibiliza entrevistas com lideranças que estiveram à frente dos enormes protestos de 2019 que levaram Beiijing a apertar o controle sobre o território semiautônomo.
“Como eles podem usar métodos tão violentos para eliminar uma organização de mídia?”, questionou a jornalista à reportagem da RFA. “Pensei que eu deveria continuar fazendo o trabalho”.
A jornalista já publicou cerca de 40 reportagens em sua página desde o fechamento do Apple Daily. A maioria do material aborda as consequências do movimento de 2019, dando voz a presos e líderes das manifestações.
“Eles dizem que os manifestantes são um grupo esquecido, mas suas experiências são, na verdade, representativas do espírito daqueles tempos”, disse Leung. “Minha especialidade é fazer perfis aprofundados. Acho muito importante anotar o que aconteceu com eles e preservar seus pensamentos e experiências”.
Leung gosta de fazer uma citação filosófica à lenda das artes marciais Bruce Lee ao falar sobre seu trabalho, usando uma de suas célebres frases: “seja água”, que significa que a pessoa deve “esvaziar a mente” e ser “sem forma”, como o líquido.
“Para ser um ser humano, você precisa de princípios e linhas além das quais você não vai”, disse Leung. “Se a maior lição que o povo de Hong Kong tirou de 2019 foi ‘ser água’, então isso precisa ser integrado à vida cotidiana, não ser apenas um slogan”.
Já Chan, que dedica sua página a relatar o progresso de milhares de casos do movimento de protesto de 2019 no sistema judicial de Hong Kong, disse que os jornalistas escrevem a história de uma época específica. “Então quero preservar a verdade para a próxima geração, incluindo a minha”.
Por que isso importa?
A lei de segurança nacional do território semi-autônomo classifica e criminaliza qualquer tentativa de “intervir” nos assuntos locais como “subversão, secessão, terrorismo e conluio”. Infrações graves podem levar à prisão perpétua.
A medida veio na esteira de uma série de protestos contra o aumento do domínio de Beijing sobre Hong Kong. Após a transferência do território dos britânicos para a China, em 1997, a cidade operou sobre um sistema mais autônomo – diferente do restante do país.